Mais famílias chegam à Cidade de Deus na expectativa de receber casa
Crianças descalças andando em meio ao lixo. Mosquitos por toda parte. Cachorros sujos perambulando procurando restos de alimentos trazidos do lixão, paisagem de fundo da comunidade composta por barracos de madeira, papelão e lona, que ameaçam desabar com as chuvas de verão. Este é o cenário da comunidade Cidade de Deus, que não existe ainda no mapa de Campo Grande, e que não possui a organização com nomes registrados de ruas e avenidas, mas é o lar de pelo menos 200 famílias. Muitas delas se mudaram recentemente, na esperança de se transformar em donas de uma das casas que a prefeitura está construindo na região.
Com recursos do governo federal e estadual, a Emha (Agência Municipal de Habitação) está construindo 362 casas populares no local. Os barracos, aos poucos, dão lugar às moradias mais dignas, que ainda entram em contraste com as condições estruturais da comunidade. Das casas construídas, 68 já estão prontas e foram entregues no dia 23 de dezembro.
As casas populares acabam atraindo não só as famílias que moram em barracos da Cidade de Deus, mas acabam sendo almejadas por pessoas que moram em outros lugares, e que querem deixar de pagar aluguel. Os imóveis estão sendo construídos “única e exclusivamente para quem mora ali”, avisa o diretor-presidente da agência, Paulo Matos. Para que isso seja possível, segundo ele, a prefeitura está tomando todos os cuidados com a fiscalização e o cadastramento das famílias.
O Campo Grande News passou a manhã de hoje (19) na comunidade conversando com os moradores. Foi possível encontrar diversas pessoas que montaram seus barracos no local há menos de um ano, já com esperança de conseguir o direito a uma das casas populares.
Ana Cristina dos Santos, 40 anos, mora com o marido e filho em um dos barracos, no entanto nem chegou a especificar quanto tempo está no local, apenas disse: “pouco tempo”. “Eu morava de aluguel no bairro Dom Antonio Barbosa, o aluguel subiu e eu vim pra cá. Ainda não fiz minha inscrição para ganhar a casa, mas vou fazer”, disse a moradora confirmando que o fato de saber que estavam construindo as moradias a atraiu para a Cidade de Deus também.
Luzinete Flores, 36 anos, tem cinco filhos e mora com eles e o marido em outro barraco. Disse ela que mora no local há cerca de um ano, e que antes também pagava aluguel no Dom Antonio Barbosa. Ela conta que tem inscrição desde que se mudou para lá, e que esperava ganhar logo a casa na primeira “remessa”.
Alem delas, José Maria de Oliveira, 47 anos, está na mesma esperança, mesmo tendo chegado há pouco tempo na comunidade. Ele morava de aluguel próximo ao Jardim Aeroporto, e de lá foi para a Cidade de Deus por dois motivos, segundo ele, fugindo de ameaças de morte e para conseguir uma das casas que estão sendo construídas.
Antigos moradores
A chegada de novos vizinhos de barraco preocupa quem mora há mais de três anos no local. Meire da Silva Bastista, 29 anos, afirma que “tem gente que nem mora no barraco e sai de não sei onde pra querer casa”. Meire mora com o marido e quatro filhos, e diz está há quatro anos no barraco, e que sabe de gente que morou um ano e conseguiu a casa antes dela. “Minha documentação está toda certinha”, argumentou a moradora.
Apesar das reclamações dos moradores dos barracos sobre os critérios da Emha para escolher os contemplados com as casas, Paulo Matos destacou que a prefeitura está acompanhando a comunidade e já tem um cadastro das famílias que deverão sair dos barracos e se mudar para os imóveis. “Nós tomamos o cuidado de fazer o cadastro de todas as famílias que moravam em barracos no local antes de começar as casas. Existem 207 famílias cadastradas, sendo que estamos construindo 362 casas, mas o número extra também já tem destino certo, para contemplar pessoas do Nossa Senhora das Graças, Nossa Senhora Aparecida e Jardim Noroeste”, explicou o secretário.
Ele frisou que a prefeitura, a partir dos cadastros, sabe quem já estava no local e quem chegou depois. “ Nós estamos fiscalizando e acompanhando sempre. Já identificamos barracos sem moradores, barracos que vão ser derrubados, já sabemos quem são. Também já identificamos duas vendas de casas populares que seriam entregues. Os contemplados teriam vendido o direito por mil reais”, contou o secretário.
As famílias da comunidade estão cada vez mais ansiosas para deixar de morar nos barracos. Pauliceia Lopes da Silva, 23 anos, conta que ela e diversas pessoas foram orientadas a mudar seus barracos de lugar quando seria feita a primeira entrega de casas. “Mandaram que a gente tirasse o barraco e colocasse por aqui. Agora esperamos que na próxima chamada, nós conseguimos uma casa, porque tiramos nossos barracos do lugar para que elas fossem construídas ali”, disse ela.
Paulo Matos disse que, mesmo com as chuvas, acredita que o cronograma será cumprido, entregando mais 150 casas em março, e entregando todas antes de terminar o primeiro semestre do ano. Uma menina de 12 anos falou ao Campo Grande News que já morou em um barraco com a mãe em São Paulo, e que aqui ainda “não é tão ruim”. “Eu sempre morei assim, muita coisa acho que vai mudar na minha vida se eu morar em uma casa. Mas não é tão ruim morar no barraco, só quando chove, que aí é muito duro”, disse ela.
Qualidade de Vida - Toda estrutura de saneamento ou de qualquer item básico de sobrevivência, como a própria alimentação, só é possível com improviso e criatividade para quem mora nos barracos da Cidade de Deus. Os fios de eletricidade ficam entrelaçados nos postes, embaraçados em “gatos de luz”. Muitas pessoas confirmam que aproveitam restos de comidas de mercados ou do próprio lixão que fica ao fundo da comunidade, para comer e dar aos filhos. A maioria dos adultos sobrevive recolhendo objetos descartados pela sociedade e revendendo, com a ajuda dos filhos, para obter uma renda mínima de sobrevivência.
O posto de saúde mais próximo e que eles costumam ir, em extrema necessidade, conforme moradores, fica no Parque do Sol. Nesta manhã, Cleuza Soares da Silva, 50 anos, foi caminhando até lá, com sintomas de pneumonia. “Eu fico doente por viver aqui, e o posto é longe”, disse ela.
As crianças costumam ir a pé para a escola, saindo do bairro que também não possui nenhuma instituição de ensino. O caminho é de lixo orgânico e terra misturados, que quando chove ficam flutuando nas águas da enxurrada. A moradora Pauliceia reclamou, ainda, que policiamento também não existe. “Quando as autoridades vêm fazer alguma coisa, tem guarda. Mas se não, não tem polícia nem pra dar bom dia”.
Conforme Paulo Matos, só em habitação serão investidos cerca de 7 milhões na comunidade, no entanto, ele destaca que a prefeitura também tem preocupação e projetos para a melhoria da região em questão de estrutura, saúde e segurança. “Junto da habitação, a região vai receber uma série de recursos. Vai ser feita também, por exemplo, a recuperação ambiental, com área de reflorestamento”, afirmou.
Objetivo - Conforme Matos, a prefeitura pretende, com a habitação e outros projetos de melhoria de vida para estas pessoas, “eliminar as favelas”. Segundo ele, o foco da gestão é tirar as pessoas de favelas e moradias em área de risco.
Ele conta que, para isso, algumas questões ainda estão sendo estudadas e desenvolvidas. “A fiscalização de quem recebe essas casas é uma das questões que precisamos ajustar. A velocidade com que a pessoa monta um barraco para conseguir a casa e depois vender, e ir para outro lugar tentar outra casa, é preciso identificar”. Ele conta que este é o problema que preocupa e atrapalha o desenvolvimento dos projetos.
Tecnicamente, na Cidade de Deus outra questão que dificulta o andamento do projeto é a retirada das famílias que moram em barracos onde os imóveis serão construídos. “Desde dezembro estamos indo toda semana no local, e pedindo para as pessoas tirarem seus barracos, mas até ontem havíamos atingido a marca de apenas 37 famílias”. Ainda hoje, enquanto a equipe do
Campo Grande News esteve no local, foi possível presenciar a visita de servidores da EMHA solicitando a mudança dos barracos.
Alguns moradores que esperam as casas populares, querem escolher o imóvel. Paulo Matos explica que isso se deve ao fato de ter dois projetos de casa, mas a diferença é de menos de cinco metros cada uma. Isso acontece porque parte das casas são do PSH (Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social) e outra do FNHS (Fundo Nacional de Habitação Social).
Paulo Matos afirmou que além das 362 casas que devem ser entregues no total até o fim deste semestre, mais mil casas populares serão construídas este ano, com recursos do PAC2. “Tivemos um desempenho reconhecido nacionalmente, tiramos cerca de 800 famílias de áreas de risco. Com mais mil casas, vamos contemplar os casos isolados, como da região do Bálsamo e Segredo”, garantiu Matos, dizendo que desta forma, a prefeitura irá atingir o objetivo de “uma Capital sem favelas”.