Manoel sem pé e praças depredadas: monumentos contam história de abandono
População lista problemas nos pontos turísticos espalhados pelo centro de Campo Grande
“Aqui era pra ser lugar de família, e virou um atacadista de droga”, observa um dos poucos comerciantes que resistem de portas abertas na região da 'Maria Fumaça', locomotiva localizada no cruzamento das avenidas Mato Grosso e Calógeras.
A "cereja do bolo" do corredor cultural deveria ser o trecho onde está a locomotiva de cinco metros de altura, 20 de comprimento, que pesa cerca de 20 toneladas. Mas no lugar de fotos, rodas de tereré e passeios em família, o técnico em enfermagem Uberlei Augusto Parrom, 43 anos, morador da região, diz que quem visita a Maria Fumaça encontra bancos, lixeira e calçada danificadas.
Vem alguns turistas aqui, dão uma olhada na Maria Fumaça, mas acabam por desistir de tirar fotos nela, porque tá tudo depredado, ficou muito ao léu isso aqui. Era para ser turístico e agora é frequentado por pessoas de má índole", diz Parrom.
O cenário desolador também não passou despercebido pelo vigilante José Carlos, 53 anos, abordado pela reportagem. “Arrancaram tudo, o pessoal que fica aqui arranca tudo. Está tudo quebrado, arrebentado. Está feio”, contou.
O desejo de mostrar os tempos áureos da passagem dos trilhos começou com 2012, com a inauguração da Orla Ferroviária. A obra de R$ 4,8 milhões previa espaço de lazer, gastronomia e resgate histórico, mas acabou se tornando abrigo para pessoas em situação de rua e usuários de drogas. Segundo o comerciante Odimar Siqueira, 60 anos, o ponto turístico se transformou "em uma área morta e depredada".
Para o comerciante, a ideia de transformar a linha férrea de Campo Grande em um corredor cultural ficou apenas no sonho.
Ficou muito bom [na época], achei a obra excelente, mas não trouxe o público desejado. Quem chega e vê uma pessoa usando droga ali não vai querer trazer a família, para não correr riscos", declara o comerciante Odimar Siqueira.
Praças - Localizada no coração de Campo Grande, bem no centro da cidade, a Praça Ary Coelho, local histórico e emblemático, também não escapa do olhar atento do aposentado Sebastião José de Freitas, 76 anos, que observa a falta de ladrilho na fonte e os canteiros das árvores que se resumem à terra.
"Precisa de mais cuidado com a jardinagem, iluminação. Por exemplo, ali tem um galho quebrado, há dias que está ali, tinham que tomar providência. Falta manutenção", detalha o aposentado.
O olhar precisa estar atento também para o chão da praça, que está com vários pisos soltos e desnivelados.
Olha a cidade do jeito que está, suja. E a praça, olha aí, falta tudo. Falta manutenção, pintura. Começar a fazer e depois não manter, não adianta. Você tem que andar Campo Grande inteira, está toda abandonada”, detalha Sebastião José de Freitas.
A poucas quadras da Praça Ary Coelho, a Praça do Rádio enfrenta os mesmos problemas de infraestrutura já relatados. O parque destinado às crianças está sem portão. Onde deveria ter brinquedos, há espaço vazio e os poucos que resistem estão enferrujados. A situação do piso se assemelha aos demais locais visitados pela reportagem: desnivelados e quebrados.
A pouca quantidade de bancos para sentar e a falta de limpeza e manutenção foram questões citadas pelo autônomo Leonardo Machado, 20 anos. “Tinha que ter um pouco mais de bancos, esses aí estão acabados. Dar uma limpada, pedir para o pessoal da prefeitura vir aparar a grama, tirar esse lixo, aí vai ficar bacana. Falta manutenção, porque desse jeito que tá, tá feio”.
"Pé" roubado - Ainda na região central, o monumento de bronze em homenagem ao poeta Manoel de Barros está há dois anos sem o "pé" direito. A estátua fica localizada na Avenida Afonso Pena próximo da Rua Rui Barbosa.
O monumento pesa aproximadamente 400 quilos, mede 1,38 m de altura e 1,60 m de largura. A estátua foi montada em dezembro de 2017 como forma de comemorar os 101 anos de nascimento do artista. O "pé" roubado é o da perna em que o poeta cruza na pose esculturada pelo artista plástico Ique Woitschach.
Ao observar o estado do monumento, em que muitos campo-grandenses e turistas param para registrar uma imagem ao lado da escultura que presenta a figura histórica importante para a cultura de Mato Grosso do Sul, a aposentada Maria Rosa Pilé, 67 anos, se indigna. “Tem que arrumar. É um descaso, da população mesmo, que estraga os pontos turísticos, e o poder público não arruma também”.
A reportagem entrou em contato com a Prefeitura de Campo Grande, para questionar se a atual gestão prevê revitalização, manutenção, ou até mesmo projeto de "recuperação" da Orla Ferroviária. Também foi questionado a respeito da manutenção das praças citadas. Até a publicação da matéria, não houve retorno.
A Prefeitura de Campo Grande informou que a limpeza da área da Maria Fumaça está na programação da Sisep (Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos) e que o corredor recebe diariamente rondas e patrulhamento da Guarda Civil Metropolitana.
A prefeitura também informou que a Sectur (Secretaria Municipal de Cultura e Turismo) está ciente da necessidade de revitalização dos espaços citados na reportagem. "O chafariz da Praça Ary Coelho está passando por estudo minucioso de engenheiros da Sisep, para um projeto de reforma que manterá as características originais do monumento inaugurado na década de 50", diz a nota.
Quanto a Praça do Rádio, a Sectur informou que está tomando as medidas necessárias para que sejam reestruturados o parque infantil, os bancos e o piso.
"A Sectur e a Sisep estão em tratativas para que sejam feitos os reparos necessários em ambas as praças, além de intensificar as rondas nos locais para aumentar a segurança e evitar novas depredações ao patrimônio público", finaliza.
A FCMS (Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul) também foi procurada, através da assessoria de imprensa, que informou à reportagem que "o processo de revitalização da estátua [do poeta Manoel de Barros] já foi aberto, estamos nos trâmites para assinatura do contrato com o artista".
* Matéria editada 25/10 às 07h13 para acréscimo de resposta da prefeitura.
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