Na volta às aulas onde diretora morreu de covid, clima é de saudade
Quando a "cara" da escola adoece e parte, não há recado maior da gravidade da pandemia
Na semana em que as aulas voltaram, as medidas de biossegurança como álcool em gel e aferição de temperatura não foram tão impactantes quanto a saudade de cruzar os portões da escola onde a diretora morreu de covid-19.
Na escola "O Quintal", no Centro de Campo Grande, uma foto da fundadora, tia Nea, professora Claudinea Amorim Barbosa, foi colocada na entrada para que os alunos e pais se sintam bem-vindos, como ela sempre fez questão de dizer.
"Não tem nem o que falar. Chegar na escola sem ela parece que não é chegar, parece que o ano não começou. É triste", diz a pesquisadora Silvia Zanatta sobre a saudade que ela e as duas filhas sentem.
O sentimento é o mesmo compartilhado pela gestora escolar Nara Rigon, de 43 anos, que além de ter uma relação de confiança com a escola há uma década, depois que a primeira filha começou a estudar lá, via Claudinea como inspiração profissional.
Mãe de três filhos, a mais velha já concluiu o Ensino Fundamental na escola e hoje estuda em outro colégio, enquanto os outros dois Ana Júlia e João Gustavo, de 8 anos, seguem diariamente entrando pelo portão, passando álcool em gel e indo até a sala de aula.
"As crianças elas sentem, mas não expressam como um adulto. Nós ficamos mais chateados e chorosos, eles demonstram a tristeza de uma forma diferente, isso que senti nos meus, estão mais calados", descreve. Mais emotivo, João chegou a fazer comentários sobre a saudade que sente da diretora.
Quando a "cara" da escola, que se adaptou dentro da pandemia aos decretos e orientações das autoridades sanitárias, adoece e parte em consequência da covid-19, não há recado maior da gravidade da pandemia.
Laços - Dos quatro filhos de Claudinea, duas delas trabalham na escola: Adriana e Carolina. Diretora financeira, Adriana Amorim Barbosa, tem 53 anos e hoje se vê na missão de não só levar o trabalho da mãe adiante, com se ater aos detalhes do carinho que Claudinea espalhava pela escola.
Ótima em fazer laços e flores de crepom, este talento Adriana parece não ter herdado da mãe, mas agora está, junto com a irmã, aprendendo para também dar continuidade a isso.
"Minha mãe não saía daqui, era o lugar dela, a vida dela. Se eu fosse deixar ela em casa, ela ia ficar doente de depressão, porque a vida dela era isso aqui", diz Adriana sobre a presença da mãe na escola.
Adriana testou positivo para covid, assim como a irmã, e a mãe também. Na cronologia dos fatos, a diretora financeira conta que tudo foi muito rápido. "Minha mãe era muito forte, se ela tivesse sentido alguma coisinha ela não teria falado", recorda.
Ainda em dezembro, em uma quarta-feira, a outra filha foi dormir com a mãe que apresentava febre. No dia seguinte, a tomografia mostrou que enquanto Adriana estava com 25% do pulmão comprometido, por conta da covid, a mãe tinha 75%. A internação precisava ser imediata e a família queria que Claudinea ficasse perto da escola. "Eu queria que ela ficasse na Santa Casa, porque está na frente da escola. Conseguimos uma vaga", conta.
Na internação, Adriana só teve tempo de dizer "eu te amo" para a mãe atrás de um biombo. "Ela foi entrando, me deu a bolsa dela e falou 'eu vou voltar, minha filha', eu falei: 'eu te amo mãe, vai com Deus, a gente tá aqui fora te esperando'", reproduz.
Sem poder visitar a mãe, as conversas eram por WhatsApp ou chamada de vídeo, quando por sorte, um dos médicos na UTI havia sido aluno da escola. "Aí a gente conversava, mas era bem pouco. Só falava: 'oi, mãe a gente está com saudade'", lembra.
Depois de 12 dias internada e quando já estava intubada, Claudinea teve um derrame. Em 2019, ela já havia sofrido um aneurisma, feito cirurgia e voltado "zero" para casa. "Costumo dizer que nesse um ano e meio que ela teve, entre o aneurisma e a covid, foi um presente que a gente ganhou de Deus", acredita a filha.
Claudineia partiu um ano depois do marido, Plínio Barbosa, que morreu em dezembro de 2019, de câncer. Eles viveram 54 anos juntos.
"Preparou tudo" - Desde a morte do pai e depois com a pandemia, a família sente como se a matriarca tivesse preparado tudo para deixar a escola. "Tenho essa consciência, que ela preparou para ir embora. Ela conversava muito comigo, principalmente dizia: 'tenha muita paciência com os pais, eles são nossos clientes. A gente não é uma empresa dinheirista, nunca fomos'. Apesar da gente ter 40 anos de vida, a gente tem um carro simples, tem um lugar para morar. A gente gosta é de fazer educação. A gente não visa somente lucro, tem muito mais coisa e a gente foi criado assim pela minha mãe", descreve Adriana.
Além do convívio dentro de casa, Adriana estava com a mãe no trabalho desde fevereiro de 1990, depois de se formar em Psicologia e também Administração. A figura de mãezona ultrapassava os limites familiares e se estedeu aos alunos, funcionários e pais, tanto é que no dia da morte da fundadora da escola, os funcionários abraçaram Adriana lhe deixando uma mensagem que até hoje traz lágrimas aos olhos.
"A gente se abraçou quando ela morreu, todo mundo e os funcionários disseram: 'estamos com vocês, a gente vai com vocês até o fim da vida'. E a gente vai continuar o legado da dona Claudinea sim, com todo amor e carinho que ela deixou. Nossa vida é isso, trabalhar com a educação. Ela está aqui. A escola continua", encerra a filha.
A foto foi colocada para que todos sintam que Nea continua ali, cuidando da família que deixou nos funcionários, alunos e pais.