No vai e vem cotidiano, 30 mil rotinas se encontram a bordo da linha 070
Itinerário mais movimentado de Campo Grande percorre 3,5 mil quilômetros por dia
Para aproximadamente 30 mil pessoas, a distância que separa a origem do destino diário atende pelo nome de 070, ou General Osório/Bandeirantes. Segundo o Consórcio Guaicurus, responsável pelo transporte coletivo em Campo Grande, a linha é a mais movimentada das 194 disponibilizadas atualmente. No vai e vem cotidiano, rotinas de passageiros assíduos e esporádicos se cruzam pelos quase 3,5 mil quilômetros percorridos pelos 17 carros que fazem o itinerário.
A linha 070 passa por quatro terminais de transbordo, de norte a oeste da Capital. O ponto de saída é o General Osório, de onde segue no sentido sul, passa pelo Hércules Maymone e faz nova escala no Terminal Morenão. Da Avenida Costa e Silva, o ônibus se desloca até sua última parada, no Bandeirantes, de onde faz o caminho de volta até o lado norte.
A salgadeira Luciana de Souza, 35 anos, sobe a bordo do 070 todas as manhãs a partir do Terminal Hércules Maymone. Moradora do Jardim Noroeste, ela trabalha em padaria no São Francisco. Ao sair do serviço, já no fim da tarde, a linha é novamente a escolhida na hora de voltar para casa.

“Pego o 070 todos os dias há três anos. Aproveito o tempo da viagem para ler notícias no celular, usar o WhatsApp”, conta Luciana, enquanto guarda lugar na fila para o próximo ônibus no Terminal General Osório.
Já a estudante de Farmácia, Débora Paulino, 20, mergulha nos livros durante a hora diária que passa dentro do 070, seja a caminho da faculdade ou de casa. Ela vive no Jardim São Lourenço, mas estuda na UCDB (Universidade Católica Dom Bosco), situada na saída para o distrito de Rochedinho.
“Tento ler enquanto estou no ônibus, me adiantar na matéria. É meia hora no 070 para ir e mais meia hora para voltar”.

Quem dificilmente perde o horário do itinerário é Edson Beto, 65, especialista em consertar relógios e outros eletrônicos. Ele mora no Conjunto União e percorre todo o trajeto do 070, desde o Terminal Bandeirantes até o General Osório, onde toma outro ônibus para o trabalho, no Jardim Marabá.
“A volta é sempre mais cansativa, mas eu prefiro ir de ônibus mesmo que a empresa ofereça carro”, relata. Habituado ao trato do tempo, Beto passa a hora e meia no balanço do 070 “pensando na vida”.
O Consórcio Guaicurus estima que as catracas da linha mais movimentada da Capital giram cerca de 15 mil vezes por dia. Outros 15 mil passageiros embarcariam nos quatro terminais.
No volante - Em dias úteis, a linha consome a rotina de 26 motoristas. Um deles é José Carrito, de 54 anos, dos quais 25 passados dentro do ônibus. Antes de assumir o volante, o fátima-sulense criado em Cuiabá (MT) foi cobrador, função hoje extinta no transporte coletivo campo-grandense.
Carrito é acostumado às linhas mais turbulentas. Antes do 070, passou um tempo na 085 (Morenão/Júlio de Castilho). De fala mansa e sorriso no rosto, o motorista brinca que “só não gosta quando o passageiro xinga a gente”. Nem mesmo o “Deus nos acuda” no cruzamento da Avenida Ceará com a Rua Joaquim Murtinho em horários de pico é capaz de tirar Carrito do eixo.
A rotina do motorista no 070 começa exatamente às 14h23min, quando ele dá partida no motor do carro no Terminal Bandeirantes. A parada para a janta, levada por ele mesmo na marmita, é só às 19h53min. Duas horas depois, Carrito assume linha terminal-bairro e volta para casa depois das 23h.

“Hoje em dia é difícil de criar fidelidade com o passageiro. Tem muito ônibus, um atrás do outro. Nem sempre a gente pega a mesma turma”, recorda. Entre as histórias inusitadas no volante do 070, o motorista gosta de contar a vez que desviou o itinerário até a delegacia. Enciumado, passageiro sacou uma arma dentro do ônibus e ameaçou outro sujeito que estaria “de olho” em sua esposa.
Hoje, 497 ônibus de transporte coletivo circulam diariamente pelas ruas de Campo Grande. O Consórcio Guaicurus assegura que tem mais 61 carros reservas. A média de passageiros transportados em dias úteis é de 225 mil passageiros.
Alternativa – No início da década atual, a discussão em torno de uma nova opção de transporte público provocou expectativa no campo-grandense. Um dos projetos previa a implantação de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) entre o aeroporto e a UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), com recursos federais. A crise econômica instaurada em 2015 teria freado a ideia.
Doutor em Engenharia do Transporte e professor de Engenharia Civil da UFMS, Daniel Anijar de Matos rechaça a proposta. “A gente tem o exemplo do Rio de Janeiro, onde o VLT é usado como um transporte turístico. A velocidade de desempenho não é expressiva e tem que ter muita infraestrutura”.

O especialista defende o aprimoramento do transporte coletivo como saída para melhorar a mobilidade em Campo Grande, com outro modelo: o BRT (Ônibus de Trânsito Rápido, na tradução da sigla em inglês). "O BRT é suficiente. Mas é preciso redimensionar as linhas de acordo com o desejo das pessoas, conhecer o fluxo com pesquisas de origem/destino”.
Conforme Matos, o BRT exige menos investimento. A modalidade demanda faixas exclusivas, como as que já existem na Avenida Calógeras e na Rua Rui Barbosa, além de sistema semafórico com prioridade aos ônibus. A prefeitura também trabalha nas obras dos corredores sudoeste e norte, que vão criar novas faixas, plataformas e estações de embarque.