Para adiar “quebra do silêncio”, réu por matar enteada revela senha de celular
Defesa pediu adiamento de interrogatório até ter acesso aos dados extraídos do aparelho
Oito meses após a morte da enteada, de 2 anos e 7 meses, Christian Campoçano Leitheim, 26, o padrasto acusado de assassinar a garotinha, decidiu “cooperar”. Por meio da defesa, ele revelou a senha para acesso ao celular que usava quando foi preso, apreendido pela Polícia Civil.
A revelação veio acompanhada do pedido de adiamento do interrogatório do réu, marcado para o próximo dia 28 de setembro. Advogados de Christian alegam que antes, precisam saber o que será encontrado no smartphone, que foi encaminhado para perícia no Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado).
“A defesa requer, caso não sejam disponibilizados/juntados os dados extraídos do aparelho celular do ora postulante em prazo razoável antes da data prevista para a audiência, seja ela redesignada, a fim de que o réu tenha tempo hábil a análise, tenha conhecimento de tudo que venha a depor contra ele, ou não, homenageando o princípio do contraditório e ampla defesa”, argumentam Pablo Gusmão, Willer Almeida e Renato Franco.
Na mesma petição, protocolada às 23h desta segunda-feira (19), os advogados requerem que o processo volte a tramitar em segredo de Justiça, invocando o “direito constitucional à intimidade” e também mencionando que a ação penal “envolve suposto crime sexual contra criança”.
Perícia – Depois do insucesso das polícias científicas de Mato Grosso do Sul e do Paraná em extrair dados do celular de Christian, a Justiça repassou a missão para o Gaeco, braço do Ministério Público de Mato Grosso do Sul dotado de equipamentos de alta tecnologia. O MPMS formou força-tarefa de promotores para atuar na acusação contra o padrasto e a mãe da criança, Stephanie de Jesus da Silva, 24, ambos acusados de serem os responsáveis por crime que causou comoção e forte reação da sociedade.
O Instituto de Criminalística de Mato Grosso do Sul também não conseguiu recuperar as mensagens apagadas do celular de Stephanie, que forneceu a senha do aparelho ainda na delegacia, quando foi presa. O diálogo entre ela e o marido no dia da morte da criança foi usado no relatório da Polícia Civil como demonstração de que o casal tentou criar versão sobre o óbito da menina.
O juiz Aluízio Pereira dos Santos, da 2ª Vara do Tribunal do Júri, assumiu o caso após o juiz Carlos Alberto Garcete se declarar suspeito para julgar Christian e Stephanie. Em um das audiências do caso, ele teve desentendimento com defesa do padrasto da vítima e expulsou um dos advogados do plenário.
Assim que recebeu os autos, Pereira dos Santos decidiu colocar o processo para “andar”. “No mais, fica mantida a data da audiência agendada para o dia 28 de setembro do fluente mês e ano. Isto porque assegura-se o regular retorno do andamento do processo evitando-se, sobretudo, demora na conclusão da instrução criminal, lembrando as partes, principalmente à assistente de acusação que o excesso de prazo abre frestas ao ingresso de habeas corpus pela defesa nas instâncias superiores (...) para obterem a liberdade até porque os crimes ocorreram em janeiro do fluente ano, avançando, portanto, a passos largos”, afirmou o juiz no despacho do dia 13 deste mês.
O crime – Na tarde do dia 26 de janeiro deste ano, a menina deu entrada na UPA (Unidade de Pronto Atendimento Comunitário) do Bairro Coronel Antonino, no norte de Campo Grande, já sem vida. Inicialmente, a mãe, que foi até lá sozinha com a garota nos braços, sustentou versão de que ela havia passado mal, mas investigação médica encontrou lesões pelo corpo, além de constatar que a morte havia ocorrido cerca de quatro horas antes de chegar ao local.
O atestado de óbito apontou que a menininha morreu por sofrer trauma raquimedular na coluna cervical (nuca) e hemotórax bilateral (hemorragia e acúmulo de sangue entre os pulmões e a parede torácica). Exame necroscópico também mostrou que a criança sofria agressões há algum tempo e tinha ruptura cicatrizada do hímen – sinal de que sofreu violência sexual.
O padrasto responde pelo homicídio e pelo estupro. Já a mãe da menina, pelo assassinato, como o Christian, mesmo que não tenha agredido a filha, mas porque, no entendimento do MP, ela se omitiu do dever de cuidar.
Na delegacia, Christian optou por exercer o direito ao silêncio. Já Stephanie afirmou que o companheiro batia na filha como forma de correção, mas negou que ele tivesse espancado a enteada naquele dia. Ela alega que nunca denunciou por medo do marido, já que também era vítima de violência doméstica.
A morte jogou luz sob processo lento e longo que a menina protagonizou com idas frequentes à unidade de saúde, tentativa do pai em obter a guarda após suspeita de que a criança era vítima de agressão e provocou série de audiências públicas, protestos e mobilização para criação da Casa da Criança, bem como soluções ao falho sistema de proteção à criança e ao adolescente em todo o Brasil.