Preparando júri de “Bentinho”, alunos acompanham vida real do ódio a mulheres
O grupo se prepara para fazer no mês de novembro o júri simulado de personagem literário
Às 7h30 da manhã desta sexta-feira (dia 15), grupo de 80 alunos do Colégio Harmonia, que cursam o nono ano e com faixa etária de 14 anos, formavam fila para entrar no Tribunal do Júri de Campo Grande. Os alunos se preparam para fazer no mês de novembro o júri simulado do personagem Bentinho, protagonista de Dom Casmurro, romance de Machado de Assis.
Na ficção, o personagem vive assombrado pela ideia de ter sido traído por Capitu, a esposa. Numa narrativa com apenas sua versão, o texto tem elementos de calúnia e difamação. Na vida real, de onde devem extrair elementos, principalmente os termos jurídicos, os estudantes acompanharam júri popular por tentativa de feminicídio, ocorrida em 24 de março do ano passado.
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“São alunos do nono ano, que estudam a obra literária Dom Casmurro, de Machado de Assis. Há calúnia e difamação, crimes contra a honra. Hoje, os alunos vão extrair vocabulário, ver como funciona um julgamento e no mês de novembro vão fazer o julgamento do Bentinho. Esse é um projeto canônico dentro do colégio, realizado há muito tempo”, afirma Fernanda Sena, professora de Língua Portuguesa.
A estudante Maria Eduarda Pinho Echeverria, 14 anos, conta que fez a leitura do livro de Machado de Assis e vai acompanhar um julgamento pela primeira vez. “Vi julgamentos em filmes e séries, brasileiros e americanos”, diz. Sobre o tema do júri de hoje, que trata de tentativa de feminicídio, crime de ódio contra a mulher, afirma que é uma realidade difícil e que seria necessário segurar as lágrimas.
Uma estudante de 14 anos conta que só acompanhou julgamento em filmes, mas estava bem curiosa, ainda mais diante do desejo de ser advogada. No julgamento simulado, até cogita interpretar uma advogada, mas por enquanto, será a prima Justina, um dos personagens do romance.
Outro aluno será o advogado do personagem Bentinho e reforça que buscará provas para absolver o protagonista de Dom Casmurro.
Na abertura do júri popular, o juiz da 2ª Vara do Tribunal do Júri, Aluízio Pereira dos Santos, elogiou a iniciativa do colégio e disse que o julgamento ficcional é realizado “na maior perfeição”.
Com plenário, que tem lotação máxima de 160 pessoas cheio, os alunos assistiam a um vídeo explicando o rito de um júri popular. Com cadernos e canetas nas mãos, anotavam os pontos que lhe chamavam atenção. Os estudantes acompanharam o sorteio dos jurados, o depoimento da vítima, a oitiva de testemunha e o interrogatório do réu.
O magistrado lembrou ao jovem público que a violência doméstica é um problema sério no mundo, mas em alguns países acontece com maior intensidade. “Seja por cultura, questão econômica, desemprego, ciúmes”.
Nas mãos da professora, folders entregues pelo MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) lembram que o silêncio da vítima pode acabar selando sua morte e trazem orientações de como denunciar: ligação para 190 (situação de risco), (67) 3318 3970 (casa da Mulher Brasileira) ou por meio do WhatsApp (67) 99825-0096.
Mato Grosso do Sul tem o maior índice de feminicídio e de homicídios praticados contra as mulheres.
Tentativa de feminicídio – Adilson Ocampos de Matos, 38 anos, está preso desde março de 2022 e foi a julgamento por tentar matar a ex-esposa com socos e facadas. O casal permaneceu junto por dez anos.
Enquanto a vítima relatou um relacionamento violento, apanhando com rolo de macarrão, socos e capacitadas, o homem disse que trabalhava como mestre de obra e “nem tinha tempo de brigar”.
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