Revisão de ‘espinha dorsal’ da cidade atrasa por indefinição na prefeitura
A revisão do Plano Diretor, conjunto de diretrizes responsável por ordenar crescimento e desenvolvimento das cidades, em Campo Grande atrasou e só será encaminhado pela Prefeitura à Câmara Municipal em dezembro. A justificativa do Planurb (Instituto Municipal de Planejamento Urbano) é que a indefinição no Poder Executivo causou a morosidade na nova edição ou até mesmo na substituição do conjunto de regras atual, que precisa ser atualizado a cada dez anos.
O atual Plano Diretor é de 6 de outubro de 2006 e, na prática, deveria ser direcionado à Câmara ou estar em voga até o dia 7 de outubro deste ano, conforme informa o advogado Alípio Oliveira, presidente da Comissão de Direito Imobiliário, Urbanístico, Registral e Notarial da OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil, seccional de Mato Grosso do Sul). “A maior preocupação é que ele não seja debatido a tempo com a população e chegue a toque de caixa na Câmara”, frisa Alípio.
No entanto, segundo Alípio, o plano começou a ser debatido em audiência pública comandada pela OAB/MS apenas na segunda-feira (20). “O estatuto da cidade diz que o plano diretor precisa ser debatido com a população, é preciso lutar pela legalidade desse ato. A sociedade tem que ser ouvida, pois é amplamente impactada por isso”, esclarece o advogado.
Conforme o Planurb, o entrave no processo de revisão e atualização do plano diretor se deu por conta da licitação para contratação de empresa de consultoria técnica especializada para isso, que aconteceu em janeiro do ano passado, ainda quando a prefeitura era comandada por Gilmar Olarte. Porém, os recursos jurídicos impetrados por empresas atrasaram o processo de contratação e só foram destravados a partir da volta do prefeito Alcides Bernal à prefeitura da Capital, em agosto de 2015.
Indefinição – Ainda de acordo com o Planurb, a indefinição na prefeitura fez com que a efetiva contratação ocorresse apenas em março deste ano, sendo que a empresa Urbtec TM Planejamento, Engenharia e Consultoria, de Curitiba (PR), venceu a concorrência. “Pelo cronograma, deveremos enviar à Câmara Municipal o projeto de lei na primeira quinzena de dezembro de 2016”, é o que informou a assessoria de imprensa da prefeitura via e-mail.
O Planurb detalha que a primeira reunião com debate foi realizada dia 15 de junho na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). Na terça-feira (21), o plano diretor foi debatido na UCDB (Universidade Católica Dom Bosco), nesta quarta na Uniderp, na segunda (27) no Secovi/MS (Sindicato da Habitação de Mato Grosso do Sul), quarta (29) no Crea/MS (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de MS) e quinta (30) no auditório da Esplanada. Em agosto haverá discussão com conselheiros regionais e entre o fim de julho e início de novembro acontecem audiências públicas.
Dirceu Peters, diretor-presidente do Planurb, argumenta que até agora não há nada definido quanto ao plano diretor e explica que a participação da população é bem-vinda. “Temos que saber qual é a cidade que queremos para os próximos 30 anos", informa.
Na opinião do arquiteto Angelo Arruda, o plano diretor de Campo Grande tem pouca influência no desenvolvimento da cidade, pois é um plano que possui apenas um ou dois mapas, não localiza os problemas e não espacializa as soluções. “Ele não se integra com o restante do município no que diz respeito aos seus requisitos urbanísticos fundamentais e também não cumpre a função social da propriedade”, comunica o arquiteto.
Campo Grande é uma cidade extremamente desigual na medida em que há bairros que têm tudo e outros que não têm nada, de acordo com Arruda. Ele frisa que esse problema precisa ser resolvido pelo plano. “O plano da Capital vem vindo de 1996 para cá com vários ajustes, mas dentro de mesma lógica. Prevê, por exemplo, elaboração de planos de bairro que nunca foi feita”, critica.
Angelo Arruda afirma que a cidade hoje tem sete regiões urbanas, 78 bairros e por esse motivo é necessário que cada bairro tenha plano, pois precisam de identidade e planejamento próprios.
Paralisação – Sem um plano diretor consistente pode haver paralisação de emprego, construções e até do crescimento, observa Alípio Oliveira. Ele ressalta que o plano tem que seguir a sustentabilidade.
O advogado coloca em xeque a empresa de Curitiba, não destacando o mérito do trabalho dela, mas a equipe. “Para entender do bairro Serradinho, por exemplo, teríamos que ouvir alguém de lá, saber dos problemas que afligem a população de lá. O pessoal de Curitiba nunca ouviu falar do Serradinho. Tem alguém que é de Campo Grande e trabalha na empresa?”, questiona.
Alípio acrescenta que o Poder Público precisa trabalhar detalhes como este para não gastar absurdos, embora a Câmara Municipal também seja protagonista na elaboração do plano diretor. Ele também defende que o plano elaborado pela empresa de Curitiba seja fiscalizado pelo Ministério Público e outros órgãos.
Em resumo, segundo Alípio, o plano diretor de um município é tudo que pode ser feito na cidade como verificação de quais bairros têm potenciais construtivos, onde poderiam ser instaladas indústrias. “É o esqueleto do crescimento jurídico da cidade. Sem ele o município não cresce”.
O plano diretor engloba a Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo, como o que pode se construir em determinados bairros ou via. Tudo passa por ele, inclusive as leis complementares.
No caso do plano diretor de Campo Grande, há determinações para as áreas do meio ambiente, transporte público e mobilidade, habitação de interesse social, entre outras. Tem que ser garantida acessibilidade, acesso à moradia digna para quem não possui condições financeiras e fiscalização às obras.
Para isso, a prefeitura pode contar com o suporte do CMDU (Conselho Municipal de Desenvolvimento e Urbanização). No âmbito dele há os comitês de habitação; saneamento ambiental; transporte, trânsito e mobilidade urbana e planejamento e gestão do solo urbano.
No plano diretor de Campo Grande estão sujeitos ao EIV (Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança) os empreendimentos públicos com mais de 20 mil m² de área construída; aqueles situados em lotes ou glebas com divisa ou testada maior que 250 metros, exceto nos parcelamentos; vagas de estacionamento igual ou superior a 200 unidades; capacidade de ocupação igual ou superior a 600 pessoas; residencial com mais de 100 unidades; atividade geradora de tráfego intenso ou pesado.
Comércio com área construída superior a 5 mil m²; serviços públicos ou de saúde com área construída superior a 10 mil m²; serviços de educação, atividades esportivas e locais de reunião com área construída superior a 5 mil m² são consideradas atividades geradoras de tráfego intenso ou pesado. Espaços como esses atraem grande número de viagens, causando reflexos negativos na circulação viária, em seu estorno imediato e prejudicam a acessibilidade em toda região, além de agravar as condições de segurança de veículos e pedestres.
A transferência do direito de construir autoriza o proprietário de imóvel urbano, privado ou público a exercer em áreas previstas no plano diretor, transferir ou alienar, mediante escritura pública, o direito de construir previsto na legislação de uso e ocupação do solo em determinados casos. Proprietários de imóveis urbanos, por exemplo, podem conceder a terceiros o direito de usar o solo mediante escritura pública registrada em cartório de registro de imóveis.
Entre outras normativas há a determinação de que o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e o Orçamento anual, bem como os demais planos, programas e projetos devem ser elaborados em compatibilidade com o plano diretor de Campo Grande.
Empregos e problemas – Um bom plano diretor pode colaborar para a geração de emprego e renda da cidade, prevendo a instalação de indústrias e expandido o comércio em regiões promissoras. Na opinião de Alípio, o perímetro urbano não precisa ser modificado no plano atual, até porque, mesmo se o número de habitantes aumentar, não haverá diferença.
“Nosso plano diretor é muito bom, não precisa ser feito um novo. É preciso apenas melhorá-lo. Temos que mostrar para a população que Campo Grande vai continuar crescendo com sustentabilidade, apta para investimentos e empregos”, arremata o advogado.
Já o engenheiro Dirson Freitag, diretor-presidente do Crea/MS, diz que o plano diretor precisa estar focado em estabelecer estratégias para evitar problemas como congestionamento do trânsito, panes no sistema elétrico e transbordamento de córregos. “O plano dá as linhas gerais das edificações da cidade e determina o modelo a ser adotado. É preciso verificar algumas questões como, por exemplo, muita aglomeração de moradias perto de córregos para que isso não afete o transbordamento”.
Para Rosana Puga, diretora do Consep (Conselho Estadual da Pessoa com Deficiência), o plano diretor precisa de vontade política para ser cumprido de verdade na prática. “As questões de acessibilidade são direitos humanos básicos. É preciso que as pessoas com deficiência tenham o direito de ir e vir e de usar a cidade como um todo e por isso as ONGs e conselhos têm que apresentar sugestões e participar das decisões”.
Segundo Angelo Arruda, o plano diretor de Campo Grande não pode ser submetido apenas à revisão, pois diversos fatores contribuíram para que a cidade mudasse aspectos físicos e urbanísticos. “Precisamos rediscutir a cidade, rediscutir o horizonte futuro olhando para frente nos próximos 50 anos, avaliando a cada cinco, prevendo investimentos, obras. Não adianta fazer plano diretor raso e rasteiro só pra dizer que tem, mas não resolver nada”, conclui o arquiteto.
Todos os documentos já aprovados para a revisão e estruturação do atual plano diretor podem ser conferidos no site do Planurb ou nesta página.