Saco plástico na porta e forno de tijolos: o improviso da escassez contra o frio
Em barracos improvisados ou casas precárias, moradores esperam doações e tentam se proteger do frio intenso
“O que eu tenho é isso aqui”. Joel Rocha Domingos, 65 anos, estende o braço e mostra o arremedo de moradia na Favela do Córrego Bálsamo, na região sul de Campo Grande. É no pequeno espaço erguido com madeira e coberto com lonas que tEm enfrentado o intenso frio dos últimos dias.
Assim como ele, vizinhos da favela e de outras comunidades fragilizadas de Campo Grande tentam driblar o frio. Desde o fim da semana passada, depois do temporal, as temperaturas começaram a cair no Estado e, na Capital, a mínima hoje chegou a 4,8ºC, com sensação de 2ºC.
Joel não tem gás, fogão ou geladeira. No cubículo, tem cama de solteiro e algumas roupas de cama. No corpo, o idoso usa tudo que tem para se proteger do frio: camisa social, casaco, calça, botina e o boné com a inscrita “Gratidão”. Ele aguardava a passagem da equipe do Cras (Centro de Referência de Assistência Social), que entregaria doações. No improviso, fez um forninho com tijolos para tentar se aquecer.
O vizinho, o pedreiro Ricardo Alexandre Angelo da Silva, 46 anos, está em situação melhor, mas não menos fragilizada. Apesar de ter alguns utensílios e eletrodomésticos (fogão, geladeira e gás), passou muito frio esta semana.
“O frio chega com força, chega até a dar câimbra, a gente se esquenta do jeito que pode”, conta. Se protege com o único casaco que tem e, com os velhos cobertores, tenta tampar os buracos do barraco para barrar os ventos.
Há um ano, sofreu as consequências do improviso: como estava sem gás, ateou fogo em uma latinha com álcool, mas acabou sendo atingido e sofreu queimaduras nas costas. Ao olhar para a situação do vizinho, se resigna: “Se você acha minha situação ruim, tem gente que acaba sendo pior”.
Também na região sul, mas na Comunidade Lagoa, perto do Jardim Colorado, a dona de casa Rosana Amaral, 44 anos, passa por situação semelhante. No barraco onde vive com o marido há cinco anos, a temporada de frio é sempre tempo de adversidade. Ontem, conseguiu pegar um dos cobertores doados pela Cufa (Central Única das Favelas). “Mas nem todo mundo consegui pegar”. A filha de 18 anos, com bronquite, foi despachada para casa do pai, onde poderia se abrigar melhor.
Ela e o marido trabalham com coleta de material reciclável e dizem que os ganhos caíram muito desde a pandemia. Antes, os dois garantiam dois salários de renda, e agora, conseguem apenas um salário.
Saco plástico – As paredes de alvenaria da edícula simples no Bairro Aero Rancho não pouparam a família de Camile Cristina da Silva, 33 anos, do frio intenso.
Camile mora com os 4 filhos - de 13, 11, 5 e de 1 ano e 2 meses - na casa de duas peças. Quando se mudou, o imóvel construído nos fundos de uma casa não tinha porta e ainda está assim. A mãe de Camile, Lúcia da Silva Santos, 54 anos, improvisou saco plástico na porta para tentar barrar o vento. “Mas foi muito frio”, disse Lúcia.
As crianças menores não foram para a creche. Lúcia conta que a professora reclamou quando o menor foi levado e estava apenas com casaco fino. Se o frio continuar severo, diz, não vão poder ir.
"Mas agora acho que vai melhorar", espera Camile. Há uma semana, conseguiu emprego de faxineira e hoje deixou as crianças com a mãe para poder ir trabalhar. “Vou conseguir colocar as contas em dia”, disse, explicando que não tem como contar com ajuda dos pais das crianças: dois deles sumiram e o terceiro morreu.
O que não falta é prioridade: além do aluguel de R$ 350 atrasado há quatro meses, também precisa colocar comida na mesa. No armário, só tem pacote de arroz e outro de macarrão.
Pelo menos o frio começa a ceder até o fim de semana. A previsão é que a temperatura comece a aumentar na sexta-feira, com mínimas de 6ºC e máxima podendo chegar a 21°C na Capital. No sábado, a mínima será de 10° C e, a máxima, 23°C. Já no domingo, os termômetros ficam entre 12°C e 25°C.