A 350 metros da fronteira dominada por facção, MPF vai deixar Ponta Porã
Além das críticas por dificultar o andamento processual, a saída tem uma forte simbologia: o Estado que se dobra à violência
A violência na fronteira, que já colocou na berlinda a Justiça em Coronel Sapucaia, agora expulsa o MPF (Ministério Público Federal) de Ponta Porã, que faz fronteira seca com o Paraguai e registra aumento de 85% nos homicídios.
A desativação da unidade do Ministério Público, que fica a 350 metros da Linha Internacional, motivou reação de advogados e juízes. Além das críticas por dificultar o andamento processual, a saída do órgão federal da cidade tem uma forte simbologia: o Estado que pede para sair diante do crime.
O Campo Grande News não conseguiu contato com o MPF para confirmar a data do fechamento da unidade de Ponta Porã. O órgão público está em recesso e só retoma as atividades no dia 7 de janeiro. Os trabalhos serão transferidos para Dourados, a mais de 100 km de distância da cidade fronteiriça.
De acordo com o conselheiro federal e corregedor ajunto da OAB nacional (Ordem dos Advogados do Brasil), Luiz Renê Gonçalves do Amaral, o Conselho Federal do MPF, localizado em Brasília, autorizou a desativação a partir de hoje (dia 20). Conforme apurado pela reportagem, a redistribuição temporária da unidade de Ponta Porã para Dourados por prazo de três anos foi aprovada na sessão de 5 de novembro.
A transferência de cidades foi parar no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), acionado pelas associações de juízes federais de Mato Grosso do Sul e São Paulo. No último dia 10, o pedido de providências foi considerado improcedente. Agora, é aguarda decisão sobre recurso.
“Isso vai na contramão da política pública de segurança pública nacional. Não há região de fronteira mais crítica do que Ponta Porã. O pedido do MPF é esdrúxulo, anacrônico e desacompanhado de fatos concretos. É um verdadeiro absurdo. O fato de ter violência em Ponta Porã implica na necessidade do aumento da estrutura do Estado. Caso não seja dado provimento ao recurso, vamos avaliar a possibilidade de medida judicial”, afirma Luiz Renê.
De acordo com ele, a prefeitura se comprometeu a alugar um imóvel até a construção de uma nova sede. Diretor de foro da Justiça Federal de Ponta Porã, o juiz Márcio Martins de Oliveira avalia que a saída dos procuradores impacta no trabalho da PF (Polícia Federal) e detalha que os membros do MPF não vão poder participar de audiências por meio de vídeo.
Devido às constantes falhas de sinal de internet, somente são permitidas videoconferências para ouvir presos e testemunhas que estejam fora da cidade. Desta forma, os procuradores terão que se deslocarem para Ponta Porã.
“O afastamento do MPF é ruim também porque eles não acompanham o dia a dia da fronteira, não vai ter a mesma percepção dos problemas”, afirma o magistrado. A Justiça Federal tem duas varas em Ponta Porã, com perfil de grande número de presos, que devem passar por audiência de custódia no prazo de 24 horas. O prédio da Justiça Federal fica a 1,5 quilômetro da fronteira, enquanto a PF dista duas quadras da Linha Internacional.
Segurança e economia – O MPF alegou razões de segurança para pedir ao Conselho Federal autorização para a transferência. Localizado na Rua Antônio João, Centro da cidade, o imóvel que sedia o órgão federal tem finalidade residencial, com espaço físico insuficiente. Porém, descarta a revitalização do imóvel devido aos sérios riscos a que se submetem membros e servidores do MPF.
É citada a distância de 350 metros da cidade de Pedro Juan Caballero, definida com palco de numerosas ações de diversos grupos criminosos organizados, em especial, da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).
Já o MPF de Dourados é citado por ter instalações físicas excelente, sendo necessária adaptação mínima, calculada em R$ 60 mil. A manutenção básica da unidade de Ponta Porã no ano passado custou R$ 451.399.
Episódios de violência na fronteira também foram destacados pelo CNMP, como uma execução em frente ao prédio do MPF, que foi atingido por disparos (outubro de 2013); o sequestro de uma adolescente quando chegava ao local para dar depoimento sobre organização paramilitar no Paraguai (2015); a execução do irmão do narcotraficante Jarvis Pavão, ocorrido a duas quadras do MPF (março de 2017); a execução de um homem em frente à casa de servidor (novembro de 2018); procuradores encontraram, no restaurante que sempre frequentam, pistoleiro do traficante Minotauro e suspeito de matar um policial civil, executado com 20 tiros de fuzil (março de 2019).
“No caso dos presentes autos, importa denotar que o risco, inerente à atividade do agente ministerial, supera os limites do que é minimamente tolerável e atenta também contra servidores e quaisquer pessoas que buscam atendimento nas dependências do Órgão Ministerial localizado em Ponta Porã, conforme explicitado nas informações prestadas pelo Ministério Público Federal”, afirma a conselheira Sandra Krieger Gonçalves, relatora do pedido de providências no CNMP.
Coronel Sapucaia - Fronteira seca com Capitán Bado, o município de Coronel Sapucaia, que faz parte do circuito da “terra sem lei” em Mato Grosso do Sul, passou a conta com uma comarca da Justiça em janeiro deste ano.
Mas, por pouco, a vida do Judiciário não foi curta. Por motivo de segurança, o local seria desativado já nos primeiros meses de atividade. Em julho, o governo do Estado se comprometeu a aumentar a segurança no Fórum de Coronel Sapucaia, que permaneceu aberto.