Indignada, filha faz fotos com celular e livra pai idoso de trabalho escravo

A indignação de uma filha resultou em pagamento de indenização ao pai de 70 anos e outros dois trabalhadores rurais expostos à situação degradante em fazenda a 70 quilômetros de Corumbá. A mulher registrou a estrutura precária com o celular ao visitar o local e denunciou às autoridades.

As imagens mostram detalhes do acampamento. As redes eram amarradas em árvores e cobertas por lona fina, que exibia rasgos devido a uma forte chuva. Em depoimento à PF (Polícia Federal), ela contou que os alimentos ficavam em caixas de papelão no chão. Alguns pacotes estavam molhados e misturados a insetos, como formigas, aranhas e baratas.

Sem instalações sanitárias, o grupo fazia as necessidades fisiológicas no mato e utilizava a água salobra de um poço artesiano para tomar banho, a mesma oferecida para o consumo. Eles também não possuíam equipamento de proteção individual nem de primeiros socorros e foram impedidos de ficar em uma área próxima à sede da fazenda, dotada de melhor estrutura para a montagem de um acampamento. Os trabalhadores ficavam na mata, cujo entorno era alagado.

Dias após sair do local, a mulher fez contato com o gerente da fazenda e responsável pela contratação dos trabalhadores, pedindo que levasse alimentos para os empregados e informasse como estava o pai dela. O compromisso de entregar novos alimentos, segundo a mulher, não foi cumprido, pois conforme o gerente, houve recusa dos trabalhadores. Detalhe, o custo seria de R$ 700.

Na ocasião, ela também foi informada de que o pai já tinha dívida de R$ 3 mil de alimentos e materiais de higiene. O gerente ainda comunicou que o idoso não poderia sair enquanto não quitasse a dívida. Contudo, ao enviar as notas, as supostas despesas totalizaram R$ 1,4 mil.

Ainda em declarações à Polícia Federal, a filha do idoso relatou que os três trabalhadores foram retirados da fazenda pelo marido dela, após autorização do gerente.

Ele havia prometido aos trabalhadores o pagamento de R$ 8,50 por poste colocado. Depois, o valor foi reduzido para R$ 5.

No entanto, os trabalhadores afirmaram que não receberam nada pelos serviços realizados ao longo de 21 dias de permanência no local. O salário acabou retido para pagar os alimentos e materiais de limpeza.

“Chamou atenção a grande quantidade de alimentos comprados para poucos trabalhadores, especialmente pelo curto período em que ficaram na propriedade, especialmente, a quantia de 50 kg de carne vermelha, fornecida pela fazenda”, destacou o delegado João Vitor Resende Osinski, responsável pelas investigações.

O fazendeiro vai pagar indenização de R$ 52,5 mil em seis parcelas, sendo R$ 15 mil revertidos aos trabalhadores e R$ 37,5 mil doados a fundo, órgão ou entidade beneficente a ser indicada pelo MPT/MS (Ministério Público do Trabalho).

“O teor dos depoimentos tomados pela Polícia Federal demonstra que a contratação do serviço se deu de forma manifestamente irregular, travestida de contrato de empreitada tão somente por questões financeiras (redução de custo), contribuindo para que fossem sonegados os direitos dos trabalhadores, mormente em relação ao meio ambiente de trabalho, remunerações e à previdência social”, afirma o procurador Leontino Ferreira de Lima Junior, autor de uma ação ajuizada no ano passado contra o proprietário da fazenda.

Em 2019, a mesma fazenda foi objeto de investigação por irregularidades laborais similares. Apesar da gravidade da situação, as autoridades preferiram não identificar a fazenda ou o proprietário.