Justiça mantém reintegração e clima é tenso em fazenda invadida por índios
Lideranças afirmam que comunidade se recusa a sair da área e ameaçam resistir; Funai promete novo recurso contra despejo
A tensão voltou ao acampamento de índios guarani-kaiowá no município de Caarapó, a 283 km de Campo Grande, depois que o TRF (Tribunal Regional Federal) da 3ª Região em São Paulo negou o recurso da Funai e manteve a reintegração de posse da fazenda Yvu, uma das 11 propriedades invadidas desde junho deste ano.
A área foi palco de um ataque aos índios, supostamente praticado por fazendeiros, dois dias após a invasão. Seis ficaram feridos a tiros e o agente de saúde indígena Clodiodi de Souza, 26, morreu. Além da fazenda Yvu, os índios ocupam as fazendas Novilho e Santa Maria e oito sítios pequenos, todos nos arredores da aldeia Tey Kuê.
Nesta terça-feira, dois líderes dos guarani-kaiowá afirmaram, por telefone, ao Campo Grande News, que a comunidade indígena “nem pensa” na possibilidade de deixarem a fazenda Yvu, onde o corpo de Clodiodi foi enterrado no dia 16 de junho.
“Nosso irmão morreu lá e lá vamos ficar. Ninguém vai sair”, afirmou o homem de 48 anos. Segundo uma professora que também fala em nome do grupo, eles já consideram a fazenda como a aldeia “Kunumi Poty Verá”.
Despejo – A reintegração de posse da fazenda Yvu foi determinada no dia 6 de julho pelo juiz da 2ª Vara Federal em Dourados, Janio Roberto dos Santos. Ele determinou à Funai a remoção dos índios de forma pacíficas em 20 dias úteis. O prazo acabou no dia 3 deste mês.
A Funai recorreu ao TRF e pediu a suspensão da liminar de reintegração, mas o desembargador federal Wilson Zauhy negou o recurso e manteve a decisão do juiz de Dourados por não verificar os “requisitos necessários” à concessão do efeito suspensivo.
Esbulho – Segundo ele, a reintegração de posse não suspende ou interrompe o processo demarcatório, como alegou a Funai. “Verifico ser incontroverso nos autos a ocorrência de invasão das terras de propriedade por indígenas, não havendo dúvida, portanto, quanto à caracterização do esbulho”.
Wilson Zauhy continua: “Os argumentos da Funai e da comunidade indígena partem do pressuposto de que a área invadida é tradicionalmente ocupada pelos indígenas e que sua invasão e posterior ocupação representa nada mais que o legítimo exercício de seus direitos assegurados pela Constituição da República. Não é isso, contudo, o que se infere nos autos. Os documentos comprovam a titularidade da propriedade. Os próprios agravantes [Funai] reconhecem que processo demarcatório ainda está em andamento, não tendo sido proferido qualquer ato que reconheça a área em questão como de proteção indígena”.
O desembargador cita também que a Funai admite que os índios não tinham posse efetiva da área em litígio ao tempo da promulgação da Constituição de 1988, “indicando que não se trata de área tradicionalmente ocupada e habitada pelos invasores, como pretende convencer”.
Funai – Através da assessoria de imprensa da sede nacional em Brasília, a Funai informou ao Campo Grande News que vai recorrer novamente da decisão do TRF, “no intuito de garantir o direito dos indígenas às suas terras de ocupação tradicional, tendo em vista que a área em referência se encontra dentro dos limites da Terra Indígena Dourados Amambaipeguá I”.
O território, que inclui uma área total de 55,5 mil hectares nos municípios de Amambai, Caarapó e Laguna Carapã, faz parte do relatório circunstanciado de identificação e delimitação publicado em maio deste ano pelo então presidente da Funai, João Pedro Gonçalves da Costa, exonerado após o impeachment da presidente Dilma Rousseff.
O procedimento de identificação e delimitação foi resultado de um Compromisso de Ajustamento de Conduta que a Funai assinou com o Ministério Público Federal em 12 de novembro de 2007. Os estudos antropológicos identificaram quatro territórios tradicionais onde vivem pelo menos 5.800 índios.