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Interior

MPF denuncia equipe do Samu e bombeiro por racismo e homicídio culposo

Três ex-coordenadores e atendente, além de militar do Corpo de Bombeiros, foram denunciados por morte de adolescente indígena

Helio de Freitas, de Dourados | 06/03/2020 13:29
Sede do Samu em Dourados; ex-coordenadores e atendente estão entre denunciados pelo MPF (Foto: Divulgação)
Sede do Samu em Dourados; ex-coordenadores e atendente estão entre denunciados pelo MPF (Foto: Divulgação)

Um sargento do Corpo de Bombeiros e três ex-coordenadores e uma técnica auxiliar de regulação médica do Samu (Serviço Móvel de Urgência) foram denunciados por racismo e homicídio culposo por negligência pela falta de atendimento à adolescente indígena Joice Quevedo Arce, 17, morta no dia 16 de abril do ano passado, na Aldeia Jaguapiru, em Dourados.

A denúncia foi feita pelo procurador da República Marco Antonio Delfino de Almeida ainda em dezembro do ano passado e tramita na 2ª Vara Federal. Por meio da assessoria, o MPF informou ao Campo Grande News que não daria detalhes do caso, mas a reportagem teve acesso à denúncia na íntegra.

Foram denunciados os três médicos que coordenaram o Samu de 2012 a 2019. Eles são acusados por discriminação étnica da população da Aldeia Indígena de Dourados, “pois determinaram/ratificaram o não atendimento de ocorrências emergenciais dentro dos limites do local”.

Os outros denunciados são a técnica auxiliar de regulação médica do Samu e um sargento do Corpo de Bombeiros, responsáveis pelo atendimento dos chamados no dia 16 de abril do ano passado.

Foram os dois que receberam os pedidos de socorro no momento em que a adolescente teve parada cardíaca ao participar de atividade física na Escola Guateka Marçal de Souza. Todos os denunciados foram ouvidos pelo MPF durante o procedimento de investigação e negaram as denúncias.

O caso – A investigação para apurar o caso foi instaurada oito dias após a morte da estudante. Joice disputava de uma prova de corrida com outros alunos, como parte das comemorações do Dia do Índio, quando começou a passar mal e teve parada respiratória.

A denúncia do MPF traz a transcrição de ligações feitas pela diretora da escola ao Samu e da conversa entre a atendente do Samu e o sargento bombeiro sobre o pedido de socorro.

Para o procurador da República, a atendente do Samu, “dolosamente, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, praticou discriminação étnica da população da Aldeia Indígena, pois não acolheu/negou os atendimentos emergenciais solicitados pelo telefone 192”.

Sobre o bombeiro, a denúncia afirma que ele, “dolosamente, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, praticou discriminação étnica da população da Aldeia Indígena, pois negou o atendimento emergencial prestado pelo Corpo de Bombeiros”. A estudante foi trazida à cidade pelos próprios índios, acompanhada pela médica do posto de saúde local, mas chegou morta ao Hospital da Vida.

O MPF acusa o coordenador do Samu no período de 2012 a 2017 de determinar que a aldeia indígena não recebesse atendimento de urgência do órgão “sob o pretexto de não existir segurança para as equipes que lá entrassem para prestar os primeiros socorros”.

Segundo a denúncia, o então coordenador fez reuniões com a equipe para deixar claro que, caso houvesse demanda na aldeia, o atendimento deveria ser recusado sob o pretexto de que somente as forças nacionais ou os bombeiros teriam competência para tanto. “Os demais coordenadores gerais que o sucederam continuaram adotando tais práticas sem se preocupar em averiguar se possuíam respaldo jurídico quando a isso”, afirma o MPF.

Sobre a alegação de falta de segurança, o MPF afirma que o protocolo de atendimento do Samu nos casos em que a cena apresenta risco para a equipe, os atendentes são orientados a contatar o apoio policial para fazer a segurança dos servidores da saúde. “Ou seja, se ocorrer agressão por arma de fogo e souberem que o autor ainda está na região, a equipe aguarda o apoio policial, sendo que não negam, em hipótese alguma o atendimento para aquela vítima”.

De acordo com a denúncia, 19 técnicos auxiliares de regulação médica foram ouvidos como testemunha e todos afirmaram que a determinação de não atendimento da Aldeia Indígena de Dourados foi ‘oficializada’ pelo coordenador que assumiu em 2012 e ratificada pelos seus sucessores.

Sobre a atendente do Samu de plantão no dia da morte, o MPF afirma que ela teve conduta discriminatória em relação ao atendimento de Joice Quevedo Arce. Segundo a denúncia, ela recusou propositalmente o atendimento à indígena, uma vez que acolheu determinação ilegal estabelecida pelos coordenadores gerais do Samu.

“As escusas no que diz respeito ao acatamento de ordens de cunho hierárquico superior não merecem acolhida, uma vez que são agentes públicos e possuem o deve orientar as suas condutas nos limites e rigores da lei. Portanto, é evidente que sua conduta foi preconceituosa”, afirmou o procurador.

Para o MPF, conduta semelhante teve o sargento do Corpo de Bombeiros. “Em que pese suas alegações de que a viatura do Corpo de Bombeiros estava ‘baixada’ [estragada], é possível perceber, por meio das gravações do Samu, que havia outra viatura que prontamente poderia ter acionado”.

A denúncia ainda está sendo analisada pelo juiz da 2ª Vara Federal. Se for aceita, os cinco serão transformados em réus por racismo. O coordenador do Samu no dia da morte e os dois atendentes também passam a responder por homicídio culposo por negligência, caso o juiz acate os argumentos do MPF.

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