Na frente do juiz, comparsas entram em contradição sobre roubo de aeronave
Piloto acusado de forjar sequestro manteve versão contada inicialmente e negou recebimento de R$ 50 mil
Durante audiência de interrogatório em Paranaíba, cidade a 422 km de Campo Grande, realizada nesta sexta-feira, os acusados Edmur Guimara Bernardes, 79 anos, Idevan Silva de Oliveira, 53 anos, e Adevailson Ribeiro, 47 anos, entraram em contradição ao negar os crimes pelos são réus e mantiveram versão que, para a investigação, é mentirosa. O trio é acusado por organização criminosa, tráfico internacional de drogas, sequestro, falsa comunicação de crime, subtração de aeronave entre outros, após o roubo da aeronave CESSNA Aircraftt, modelo T182T, PR-NAL em junho de 2019.
Edmur, conforme a denúncia, recebeu R$ 50 mil para levar a aeronave até o Paraguai, e simular o sequestro, junto com os outros dois réus.
Conforme a delegada Ana Cláudia Medina, que também foi ouvida, a investigação apontou que Adevailson seria levado ao país vizinho com a proposta de ser contratado como piloto-narco. Ele nega.
Sobre Edmur, a delegada disse que as imagens mostraram o réu sem nenhuma característica de intimidação. “Ele agia normalmente como conduzia o local”, contou.
Ildevan relatou que foi amarrado com fio de mouse, porém no local sequer havia computador. “Ele não conseguiu demonstrar a situação durante reconstituição”, afirmou Medina. Dentro da aeronave a polícia ainda encontrou o celular de Adevailson com imagens mostrando a interação dos bandidos
Entenda - Conforme consta na denúncia, Edmur fingiu ter sido sequestrado em casa por dois bandidos e levado até o aeroporto municipal de Paranaíba. Lá, bandidos teriam rendido também o vigia do aeroporto Idevan, amarrando-o com fios de mouse e colocando dentro de deposito, enquanto Edmur seguiu viagem com Adevailson e outro suspeito identificado apenas como Pedro.
Ambos desembarcaram em uma fazenda no Paraguai dominada pelo PCC e que era utilizada especificamente para fazer deslocamento de integrantes da facção. No local passaram a noite e esconderam a aeronave em uma mata. Pela manhã do dia seguinte um boliviano vulgo "Colha" passou a fazer parte do grupo e os 4 seguiram viagem para a Bolívia levando caixas e petrechos para o manuseio de drogas. Ao chegarem em um vilarejo chamado São Rafael se uniram a outros suspeitos. inclusive Vítor, primo do “Marcola do PCC” (Marcos Camacho, considerado o chefe geral do PCC).
Vítor, segundo a promotoria, seria chefe do bando e responsável pelo narcotráfico entre Bolívia, a partir da região de San Ignácio e Brasil para distribuição de cocaína em São Paulo.
Após receber os R$ 50 mil em moeda estrangeira, Edmur voltou sozinho pilotando a aeronave até Cáceres, Mato Grosso onde informou á Polícia Federal sobre o suposto sequestro. Adevailson ficou na Bolívia.
Preso no Instituto Penal em Campo Grande, Adevailson explicou durante interrogatório nesta tarde que não sabia de nada e que foi usado como laranja na situação. À juíza ele contou que tem um colega chamado Rodrigo e que ele havia acabado de sair da prisão e lhe ofereceu um serviço em uma fazenda na Bolívia para trabalhar fazendo reforma da propriedade. Ele receberia R$ 15 mil pelo serviço e retornaria dentro de 15 dias.
Duas semanas depois aceitou o convite, por precisar do dinheiro para pagar contas e para cuidar da filha ‘especial’.
Em depoimento Adevailson, disse que foi o último a chegar no aeroporto.
Quando cheguei já estava todo mundo. Questionei o Rodrigo se todos iam trabalhar na fazenda também, mas ele disse só que eles vieram curtir”, informou, afirmando ainda que só começou a desconfiar de que algo estava errado já dentro do avião, quando o outro suspeito “Pedro” teria mudado a rota para pegar um colega no Paraguai. “Por isso comecei a filmar, pra ter uma prova se algo acontecesse comigo, mas a bateria do celular estava acabando”, disse Adevailson.
Depois de abastecer no Paraguai, pegar um boliviano que trabalharia na propriedade e chegar na Bolívia no outro dia, novamente começou a desconfiança ao ver outros integrantes cochichando. “Passou um pouco o Edmur foi embora no avião. Os homens me questionaram sobre ele e eu disse que foi embora, nessa hora queriam me matar, mas o Rodrigo não deixou. Consegui abrigo na casa de uma mulher e depois pagaram a minha passagem de volta de ônibus”, contou, não sabendo informar à juíza o motivo do grupo querer a participação dele no esquema.
Emocionado, disse que foi usado. "Fui usado de laranja e estou sofrendo aqui, minha vida parou”, relatou ainda livrando Edmur e Idevan dos acontecimentos.
Idevan Silva de Oliveira trabalhava há 12 anos no aeroporto. Durante depoimento contou que chegou para trabalhar as 6h. Cerca de 30 minutos depois foi rendido por dois bandidos encapuzados. “Disseram que não iam me roubar, mas que era pra eu colaborar, que eles queriam pegar o 'cara da cana'. Me ameaçaram e ameaçaram minha família se caso eu fizesse retrato falado”, contou.
Os bandidos teria falado ainda que já mandaram pegar o Edmur para fazer um transporte e disseram que o piloto voltaria na hora do almoço.
“Eu não vi ninguém. Não sai da estação. Vi apenas a caminhonete do Edmur chegar. Depois me amarram com o fio de um mouse e as minhas pernas amarraram com uma extensão”, disse, confrontando o que foi dito pela delegada. “Tinha sim esses objetos lá porque o local serve também como deposito da prefeitura. Tem muita coisa antiga lá”, contou.
“Escutei depois o avião saindo e após 10 minutos quieto consegui me soltar. Achei um molho de chaves que tinha lá dentro e forcei e abri a porta e chamei a polícia”, diz.
A fala do piloto - Edmur, que já tem passagem por ser pego com droga dentro de aeronave, contou que dois homens chegaram a sua residência armados, por volta das 6h do dia do crime.
Disseram que era da polícia e perguntaram de armas e droga. Posteriormente confessaram que não era da polícia e que precisavam tirar um amigo do PCC da fronteira e que sabiam que eu era piloto. “Eu disse que não tinha a chave da aeronave, mas me mandaram ligar pro dono. Tiraram foto da minha neta pra ameaçar”, contou.
Em seguida, disse, foi com os bandidos em sua caminhonete até o hangar e pegou a chave reserva da aeronave. Edmur contou que não chegou a ver Idevan, mas que quando chegou avistou quatro pessoas. Adevailson estava armado com um revolver 38 na cintura, segundo ele.
“Pedi ajuda pra tirar o avião, depois entrei. Em seguida entrou Adevailson e Pedro. Pedro tinha conhecimento de aeronave e mandou que eu voasse a 3 mil pés e desligasse o transpônder para não sermos identificados”, explicou.
No Paraguai, após passar a noite, segundo alegou, um boliviano entrou na aeronave e foi junto com eles até o país vizinho. “Não levaram nada de caixa, nem petrecho de nada. Eu ainda achei que íamos só até a fronteira, não sabia que ia entrar no país”, contou.
Após chegar no vilarejo na Bolívia, conforme a versão apresentada, Adevailson ficava de vigia do piloto. Edmur disse na frente do juiz, ter questionado para falar com seu amigo Rodrigo, quando em um momento de distração voltou e pegou o avião e voltou para o Brasil.
Afirma ter pousado em Cáceres (MT), onde foi questionado por outro piloto e por uma pessoa do aeroporto sobre o que fazia lá. Ele informou então que havia sido sequestrado. Foi levado para a Polícia Civil que o encaminhou até a Polícia Federal.
Após oitiva na PF foi liberado e voltou a Paranaíba, guardou o avião no hangar e foi para casa em sua caminhonete. “Não recebi dinheiro nenhum”, rebateu.
Sobre ser investigado pelo crime de colocar em risco a segurança aérea ao voar a 3 mil pés, Edmur conta que o risco seria para ele mesmo, já que não há outro piloto que faça isso. “Não é autorizado. O mínimo é de 3.500 pés. O risco é de bater em uma serra ou atingir alguma ave. Ninguém voa a essa distância, não tinha então não tinha risco aéreo”, explicou.
Sobre reformar outra aeronave com o dinheiro que recebeu do crime, apenas relatou que comprou a nova aeronave da Receita Federal em Foz do Iguaçu e que o dinheiro da reforma saiu de parte do hangar que vendeu por R$ 30 mil e a venda de um motor a uma aviação em Birigui por R$ 130 mil. “Todo dinheiro que tenho tem origem e eu posso provar”, concluiu.
A delegada Ana Cláudia Medina, que também foi ouvida, disse que ainda investiga a participação dos outros integrantes.