Sem receber da prefeitura, terceirizada ameaça recusar pacientes em UTI
Prestadora de serviço mantém 20 leitos de UTI no Hospital da Vida e cobra R$ 7 milhões da fundação de saúde do município
Por causa da pandemia do novo coronavírus e principalmente devido à falência financeira da prefeitura, a saúde pública está em colapso em Dourados, a 233 km de Campo Grande. Para piorar a situação já insustentável, a empresa terceirizada que opera 20 leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) no Hospital da Vida ameaça suspender atendimento a novos pacientes a partir de hoje (18).
O motivo: dívida de R$ 7 milhões do município com a empresa terceirizada que desde 2016 mantém os leitos de terapia intensiva no maior hospital “de porta aberta” da rede pública de saúde do interior de Mato Grosso do Sul. Com a nova onda de casos de coronavírus, todos os leitos estão ocupados.
Nesta sexta-feira, o Campo Grande News teve acesso ao ofício enviado ontem pelo Intensicare (Instituto de Terapia Intensiva das Américas Ltda.) à Funsaud (Fundação de Saúde de Dourados) informando que se a dívida não for paga, a partir de hoje não serão recebidos novos pacientes nos leitos de UTI.
O Intensicare foi contratado pelo município em 2016 para instalar mais leitos de terapia intensiva no Hospital da Vida. O contrato foi feito através da Funsaud, criada no ano anterior para administrar o hospital e a UPA (Unidade de Pronto Atendimento).
A fundação é autarquia que faz parte da estrutura municipal, mas possui orçamento próprio para pagar funcionários, fornecedores e prestadores de serviços. Entretanto, a Funsaud está falida e acumula dívidas de pelo menos R$ 35 milhões.
Insustentável - “O contrato 61/2016 firmado com a Fundação de Serviços de Saúde de Dourados tornou-se insustentável em razão do patamar da inadimplência alcançada, que atualmente supera o valor de R$ 7 milhões em notas vencidas até a presente data”, afirma o ofício enviado pelo Intensicare ao diretor-presidente da Funsaud, Jefferson André Rezzadori.
Cópias foram encaminhadas ao Hospital da Vida, ao Ministério Público de Mato Grosso do Sul, ao Conselho Municipal de Saúde e à Secretaria Municipal de Saúde.
Segundo a empresa terceirizada, a “expressiva inadimplência” foi negociada entre as partes em 2018, resultando em acordo de parcelamento firmado na 10ª Promotoria de Justiça. Entretanto, o pagamento das parcelas não foi cumprido pela Funsaud/prefeitura. “Mesmo tendo receita, a Funsaud não prioriza seus fornecedores essenciais, tampouco honra com os termos do acordo firmado”.
No documento, o Intensicare afirma que sem os recebimentos mensais do contrato não há mais condições de manter seus compromissos financeiros com fornecedores e obrigações trabalhistas da equipe médica, incluindo folhas de pagamento.
“No mês de dezembro temos custos extras referentes ao 13º salário, que precisam ser honrados sob risco de paralisação das equipes, que já vêm realizando manifestações públicas, causando danos à imagem da empresa”, diz o ofício. O Intensicare tem 81 profissionais de saúde em Dourados.
A empresa afirma não ter mais fluxo de caixa necessário para aquisição de medicamentos e materiais hospitalares, “imprescindíveis para atendimentos”, tampouco crédito com fornecedores.
“Para que a qualidade de atendimento aos nossos pacientes não seja colocada em risco, a empresa informa que irá exercer o seu direito de suspender novas admissões de pacientes em sua UTI”, afirma o Intensicare, lembrando que diversas notificações solicitando a regularização foram encaminhadas à Funsaud nos últimos meses, sem qualquer retorno ou resposta, “em claro descaso com a situação, apesar da relevância do serviço prestado à população de Dourados e região”.
Segundo a empresa, a decisão é fundamental para manutenção de tratamento adequado aos pacientes que estão na UTI do Hospital da Vida. “A empresa não tem mais condições de arcar financeiramente com o contrato, suportando o custo de 20 leitos mensalmente sem recebimento”.
Outro lado - Através da assessoria jurídica, a Funsaud informou reconhecer dívida de R$ 4 milhões, mas afirma que outros R$ 2,6 milhões foram parcelados e as parcelas ainda não venceram, ou seja, não se trata de dívida em atraso.
A fundação informa ainda que em resposta à notificação do Intensicare comunicou que adotará medidas judiciais cabíveis caso a empresa mantenha a decisão de suspender atendimento a novos pacientes.
No ofício enviado ao diretor regional de operações da prestadora, Renato Silva, a Funsaud cita que o serviço de terapia intensiva é essencial para a sobrevivência dos pacientes. Em junho do ano passado, o Intensicare fez ameaça semelhante por causa da dívida, na época em R$ 10 milhões. Entretanto, o juiz César de Souza Lima deu liminar impedindo o fechamento da UTI.
O assessor especial da prefeita Délia Razuk (sem partido), o advogado Alexandre Mantovani, designado para acompanhar a crise na fundação, também foi procurado, mas ainda não se manifestou.
*Matéria alterada às 12h45 para acréscimo da posição da Funsaud.