Sócio de traficante foi preso e condenado com nome falso
Em 2018, STJ reduziu pena de Carlos Roberto da Silva, que na verdade é Charles Miller Viola
Durante 22 anos, Charles Miller Viola, 46, viveu com outra identidade em Mato Grosso do Sul. Condenado a 12 anos e meio por duplo homicídio em Rio Verde, interior de Goiás, ele ficou seis meses na cadeia naquele Estado, conseguiu habeas corpus e desapareceu.
Usando o nome de Carlos Roberto da Silva, 43 anos, Charles se instalou na fronteira com o Paraguai e se envolveu com poderosas quadrilhas de narcotraficantes da Linha Internacional.
Ele “enterrou” Charles Miller Viola e seguiu em frente, como Carlos Roberto da Silva. Nesse tempo, se casou com Alice Esteche Fernandes e teve dois filhos, cujo registro de nascimento traz como nome do pai a identidade falsa de Charles.
Como Carlos Roberto da Silva, Charles Viola foi denunciado e processado por ajudar a ocultar patrimônio de traficantes internacionais. Acabou condenado pelo então juiz federal Odilon de Oliveira em 2014. Um avião do tráfico estava registrado em nome dele.
Na mesma sentença, Odilon condenou bandidos famosos da fronteira, entre eles Jorge Rafaat Toumani (executado em 2016), Luiz Carlos da Rocha, o “Cabeça Branca”, apontado como o maior fornecedor de cocaína para a facções brasileiras e sócio de Charles/Carlos, e o veterano piloto do tráfico Nélio Alves de Oliveira, preso no dia 2 deste mês com 520 quilos de cocaína em um avião que fez pouso forçado em Ivinhema.
Preso jantando – Em junho de 2018, quatro anos após ser sentenciado por Odilon de Oliveira a cumprir quatro anos e dois meses em regime fechado, Charles/Carlos foi localizado por agentes federais quando jantava em Ponta Porã. Levado para Campo Grande, ele ficou menos de seis meses na cadeia.
Em dezembro daquele ano, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), concedeu habeas corpus ao piloto Nélio de Oliveira por entender que o traficante deveria aguardar em liberdade até o “trânsito em julgado”, ou seja, até se esgotarem todas as possibilidades de recurso. A medida também beneficiou Carlos Roberto da Silva.
Sem que a polícia ou a Justiça descobrissem a identidade falsa, Charles Miller Viola, ou Carlos Roberto da Silva, foi processado, condenado, preso e beneficiado pelo habeas corpus de Ricardo Lewandowski.
Também em dezembro de 2018, sem que a verdadeira identidade do traficante fosse descoberta, o ministro Sebastião Reis Junior, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), reduziu em quase um ano a sentença de Charles/Carlos e fixou a pena em três anos e seis meses em regime semiaberto por lavagem de dinheiro.
Ao justificar a decisão, o ministro citou que Carlos não possuía antecedentes criminais. Só que a identidade era falsa. Charles tinha, sim, antecedentes criminais.
Preso de novo – A fuga de Charles Miller Viola terminou na noite de domingo, dia 16 de agosto de 2020. Ele foi preso por policiais do Dracco (Departamento de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado), da Polícia Civil, no município de São Gabriel do Oeste.
Conduzindo uma caminhonete Toyota Hilux, Charles seguia de Dourados para o Mato Grosso. Segundo a investigação policial, morando em uma mansão alugada em condomínio de luxo em Dourados, Charles operava os negócios de “Cabeça Branca” em Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, onde o narcotraficante mantém fazendas de lavoura e gado.
No ato de prisão em flagrante por uso de documento falso, lavrado na segunda-feira (17), em Campo Grande, Charles Miller Viola disse que reside no bairro Parque dos Ipês II, em Ponta Porã. Também disse que a caminhonete usada por ele era de outra pessoa. Foram as únicas declarações dadas à polícia. Sobre outras perguntas, se manteve em silêncio.
A reportagem apurou que a mansão em Dourados foi alugada em nome da mulher dele. Na segunda-feira (18), policiais civis passaram sete horas fazendo buscas na casa. Joias, dinheiro, documentos, celulares e um Toyota Corolla ano 2020 avaliado em R$ 115 mil foram apreendidos.
Charles permanece em uma cela da Derf (Delegacia de Roubos e Furtos), em Campo Grande. O advogado de defesa pediu à Justiça para Charles ficar em Mato Grosso do Sul, já que existe possibilidade de remoção para Goiás, onde tem pena a cumprir por duplo homicídio. Já a Polícia Civil quer a transferência dele para o Presídio Federal.
Chacal – A operação para prender Charles ganhou o nome de “Chacal”. Segundo o Dicionário Online de Português, o chacal é mamífero carniceiro da Ásia e da África, do tamanho de uma raposa, que se alimenta principalmente com os restos deixados pelos grandes animais. Em sentido figurado, é “pessoa muito má, que espreita a desgraça de outrem para beneficiar-se dela”.