A proteção de Teflon de Casanova
Ou a Ilusão de estabilidade
O aventureiro Giacomo Casanova, mais tarde autodenominado Jacques, Chevalier de Seingalt, pretenso intelectual e lendário sedutor de mulheres, parece ter tido uma característica similar ao Teflon que despertaria a inveja até nos mais resistentes chefões da máfia: o azar não grudava nele. Apesar de conhecido pelas seduções, Casanova considerava-se uma espécie de belo e acadêmico. Nenhum dos dois atributos eram verdadeiros.
Ele tentou obter fama literária com a obra “História de Minha Vida”, em 12 volumes. Um trabalho charmosamente ruim. Além das lições extremamente úteis sobre como se tornar um sedutor, a história oferece um relato de uma sucessão de fracassos. Casanova sentiu que, sempre que se encontrava em dificuldades, sua estrela da sorte, sua “étoile”, o livrava dos problemas.
Casanova teria sido escolhido pela sorte para escapar de qualquer problema?
Depois que ficavam ruins para ele, as coisas recuperavam-se de alguma forma, como se existisse uma mão invisível protetora. Assim, ele foi levado a crer que se recuperar de dificuldades era uma característica intrínseca sua.
De alguma forma, ele encontrava alguém “in extremis” que lhe oferecia uma transação financeira, um novo patrono que ainda não havia traído ou alguém bastante generoso e com uma memória suficientemente fraca para esquecer tudo de ruim que ele já havia feito. Seria possível que Casanova tivesse sido escolhido pelo destino para recuperar-se rapidamente de todas as dificuldades?
Um dia “a casa cai”
Não necessariamente. Considere o seguinte: entre todos os aventureiros exuberantes que viveram em nosso planeta (que continua lotado dessas personalidades), muitos foram ocasionalmente esmagados e poucos, de fato, recuperaram-se repetidamente.
São aqueles que sobrevivem que tendem a crer que são indestrutíveis. Eles terão uma experiência suficientemente longa e interessante para que escrevam livros de odes a respeito (os puxa-saco sempre estão presentes). Até que, obviamente... a “casa cai”.
Na verdade, há uma abundância de aventureiros que se sentem escolhidos pela sorte, simplesmente porque existem muitos aventureiros, e não ouvimos a história da multidão de aventureiros fracassados.
Campo Grande e a história de sucessos... e raros fracassos
Como isso está relacionado com a dinâmica da história? Considere o que é chamado de resistência da cidade de Campo Grande. Por motivos aparentemente transcendentais, sempre que fica à beira do desastre, a cidade consegue se livrar do problema e se recupera. Alguns acreditam realmente que essa é uma propriedade interna da cidade.
Agora reflita ao contrário: pense nas cidades como pequenos Casanovas. Pense em um simulador da história de Roma, Atenas, Cartago, Bizâncio, Tiro, Catal Hyuk (uma das primeiras cidades da história), Jericó e, é claro, Campo Grande. Algumas cidades sobreviverão às condições adversas. Quanto às outras, sabemos que a história pode não ser muito gentil.
Não é uma boa ideia ser um Casanova
Agora pense em um diretor de uma empresa discutindo a capacidade da corporação de recuperar-se de problemas passados. E que tal da tão cantada, em verso e prosa, “resistência do sistema financeiro”? É um general que teve uma série de vitórias?
Você pode ver agora porque usamos a sorte “infalível” de Casanova como um esquema generalizador para análise da história, de toda e qualquer história. São milhões, talvez bilhões, de Giacomos Casanovas que devem ser observados com cuidado. São eles que nos fazem crer, incorretamente, na ilusão da estabilidade.
Dessa perspectiva, não é uma boa ideia ser um Casanova.