A raiz do êxodo libanês para o Brasil. Povo desconhecido
Quem é o "turco" vizinho e amistoso que povoou e participou decisivamente do progresso de Campo Grande? Não é turco e poderia ser conhecido. Essa é uma história raras vezes contada. O libanês que veio à "Merika" - quando partiu com passaporte turco, só sabia que estava imigrando para a América, e nada mais -, chegou para ganhar algum dinheiro e retornar à sua pátria. Mas gostou da nova vida e ficou. Em ampla maioria eram maronitas, cristãos, de rito oriental, que, por muito tempo, não aceitavam a autoridade do Papa.
Os maronitas, aliados dos europeus.
Já desde o século XVIII, as populações cristãs em terras árabes, principalmente no Líbano, tinham entrado em contato com as potências europeias. Como os europeus estavam proibidos de andar livremente pelo Império Otomano - o Líbano pertencia a esse longevo e poderoso Império - encontraram nós cristãos sócios para vender seus produtos e deles comprar madeira. E nesse século ocorre o Sínodo de Luwayza (1736), quando os maronitas finalmente reconheceram o poder papal. Esses elementos culturais e religiosos favoreceram os maronitas e seus sócios europeus. A França, Itália e Inglaterra reconheceram a importância dessa associação e favoreceram enormemente as transações de seus conterrâneos com os maronitas. Simultaneamente, os maronitas foram especialmente para a França estudar engenharia, medicina e direito. Voltaram conhecendo e admirando a cultura europeias. Europeizaram-se, algo inexistente no Oriente Médio dominado pelos otomanos. E será nessa crescente europeização que surgirá a figura histórica de Butrus al Bustani, um maronitas convertido para o protestantismo, propondo a unificação da Síria, Líbano e Palestina. Bustani dizia que a pátria era uma questão de fé. Ideia que até os dias de hoje perpassa por partidos políticos daquela região.
A tentativa otomana de aliar-se aos europeus e a oposição.
O Império Otomano no final do século XVIII reconhecia a deficiência de seu imenso exército. Foi assim que começou a não só adquirir armas como a receber a consultoria de militares europeus. Com eles, vieram novas ideias estranhas aos muçulmanos que viviam e dominavam o Oriente Médio: a separação da religião e do Estado, o nacionalismo, a ideia francesa de pátria, a democracia, o fim da tirania, e de todo o ideário da revolução francesa - igualdade, fraternidade e liberdade. Houveram inúmeras reações às práticas do liberalismo econômico como a propriedade privada da terra, a liberdade do comércio, a abertura dos mercados, a industrialização, enfim, ao surgimento do capitalismo. Diferentes líderes muçulmanos e políticos reagiram, não aceitavam - e continuam não aceitando - tantas mudanças. O principal líder da oposição era Muhammad Ali, cidadão otomano de origem albanesa (não por acaso o nome adotado pelo pugilista norte americano Clasius Clay). A reação comandada por Muhammad Ali propunha aramar os exércitos da região para enfrentar os europeus, bem como industrializar toda essa região sem os auspícios estrangeiros. Fracassou. A região continuou sendo um polo de exportação de algodão e madeira.
A "ammiyya", as lutas populares que uniram maronitas e drusos.
Nas montanhas libanesas, a influência externa provocou sérios enfrentamentos entre as comunidades maronitas e drusas. Os maronitas eram os principais propagadores do europeísmo. Os drusos, mais conservadores, seguiam o mesmo sistema pré-capitalista de sempre, como também mantinham sua religiosidade autônoma.
Essas distintas estruturas econômicas, alianças, diferenças étnicas, culturais e religiosas reativaram os enfrentamentos históricos entre os dois povos.
Todavia, o "perigo externo", patrocinado tanto pela Turquia como pelo Egito, uniu os dois povos em finais do século XVIII início do XIX. As lutas populares que ocorreram no Líbano foram chamadas de "ammiyya" - do árabe "amam", base popular. O estopim foram (como sempre) os impostos excessivos e a truculência na cobrança de uma carga excessiva.
Foram esses mesmo drusos e maronitas que expulsaram do Líbano Ibrahim Pasha, filho de Muhammad Ali, quando ele invadiu o Líbano e a Síria. Mas a política no Oriente Médio deve ser contada somente por poucos anos.
Ibrahim Pasha, logo a seguir iria armar um exército de sete mil maronitas para lutar contra os drusos, reprimindo a revolta de Hawran. Mas Pasha havia prometido que as armas permaneceriam nas mãos maronitas após a refrega e não cumpriu a promessa. E ainda piorou a relação impondo aos maronitas a obrigação do serviço militar. Até então, os maronitas estavam isentos da obrigação castrense, e perante o temor de se verem obrigados a formar o exercido Pasha, nkvamese uniram aos drusos para combater Pasha.
Os libaneses estão chegando...
Os estudiosos da migração libanesa para o Brasil entendem que de acordo com essas refegas e guerras ocorridas em solo Libanês, tivemos quatro grandes fluxos migratórios. O primeiro período vai de 1850 a 1900, tendo como principal fator as intermináveis guerras em solo libanês. De 1900 a 1918, quando já é possível estudar a existência de colônias libanesas bem definidas, mas também esparramadas em todas as regiões brasileiras. E de 1918 a 1950, quando os libaneses vão para o sul do Brasil em massa.
Todavia, o marco histórico indiscutível é 1880 - considerado por todos como o momento decisivo. Quatro anos após a visita do imperador D.Pedro II ao Líbano trouxe uma leva enorme de maronitas que reclamavam dos maus tratos dos soldados do Império Otomano. Esses primeiros cristãos viviam nas montanhas e de lá, dominavam amplamente o comércio com os europeus. Perseguidos, vieram parar no Brasil para continuar comercializando como em sua pátria praticavam: de porta em porta. Ao contrário de italianos e japoneses, não vieram lavrar a terra.