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Em Pauta

Como surgiu o mito da democracia racial brasileira

Mário Sérgio Lorenzetto | 09/06/2020 08:13
Campo Grande News - Conteúdo de Verdade

Inventar ou distorcer. A história não é uma bula de remédio. Não resolve "para sempre" uma disputa de ideias. O caso mais emblemático ocorreu na Revolução Francesa. Os novos dirigentes passaram a datar sua história à partir de 1789. Esse ano foi batizado de "Ano 1". Nos Estados Unidos não foi muito diferente. A independência colocou no papel que à partir daquela data o sul escravista era igual o norte liberal. Não era. Os ecos daquele momento estão presentes nas ruas. O racismo sulista ainda tem força.


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A criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

O Brasil seguiu as mesmas pegadas dos franceses e norte americanos. Havia a necessidade de criar uma história que "elevasse" o passado e que fosse "patriótica ". Os nobres fundaram o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1838, com essas duas premissas. Mas quem contaria essa historieta? Para resolver o problema, inventaram um concurso. Algo semelhante a assumir o Ministério da Saúde atual. Onde está o médico de renome que pega esse touro pela cauda? Não existia. O vencedor do concurso foi um biólogo, um naturalista, como eram chamados, um alemão de nome Karl Von Martius. Esse sujeito deveria inventar uma história brasileira. E inventou.


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A invenção dos benefícios da mestiçagem.

Martim foi o criador da metáfora aquática das três raças vivendo em concordância pacífica. Tremenda mentira que subsiste até os dias atuais. Conforme esse alemão, no Brasil existiria um caudaloso rio português que absorveria dois confluentes, negro e indígena, mansa e pacificamente. Ele denominava os negros de raça etiópica. Falava tanta asneira que imaginava que todos os escravos tinham vindo da Etiópia. Exaltava o dono branco da propriedade negra e indígena como se vivessem em harmonia. A mestiçagem era a garantia da lei e da ordem em um país sumamente violento. O sexo forçado dava as cartas e vencia. Sexismo e felicidade irreal , caminhando lado a lado desde a inauguração da história formal - e mentirosa - brasileira. Mistura não era - e nunca foi - sinônimo de igualdade.


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A repetição do mito.

Para criar um mito, não basta ter ideias inovadoras, há necessidade da repetição até a exaustão. A ladainha das três raças formadoras da nação continuou com Silvio Romero, Oliveira Viana, Artur Ramos e Mario de Andrade. Desse quarteto, o único que merece ser lido é o último. No seu "Macunaíma ", retoma a fórmula aquática de descrever a história. Conforme Mario de Andrade teria existido o "Pezão do Sumé". Macunaíma e seus dois irmãos, seguindo as pegadas do Pezão do Sumé, chegaram às águas encantadas de onde saíram as três raças brasileiras.


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Gilberto Freyre e a consolidação do mito.

Foi Gilberto Freyre quem consolidou e divulgou o mito da harmonia das três raças. Isso se deu graças à Unesco. Essa entidade internacional vivia sob a égide do horror nazista contra judeus e ciganos. Buscava freneticamente encontrar algum país que mostrasse a felicidade, a harmonia racial. "Casa-grande & Senzala" e "O mundo que o português criou", seus dois livros famosos, deu à Unesco o exemplo almejado. Existiria um país chamado Brasil onde brancos, negros e indígenas vivam em harmonia e felicidade eterna. Casa-grande & Senzala foi traduzido e editado em dezenas de países. Estava consolidado o mito da democracia racial brasileira.

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