O começo da relação amorosa entre o crime e as drogas
A expressão "viciado em drogas" começou a surgir em textos médicos, nos Estados Unidos e na Europa, por volta de 1.900, na mesma época em que a palavra "drogados" passou a aparecer mais nos jornais. O problema havia sido detectado por causa dos dois derivados do ópio - morfina e heroína. Todavia, a cocaína era legal e amplamente usada em hospitais e consultórios de dentistas e ainda compunha a fórmula da Coca-Cola. A maconha também era legal e estava presente em muitos medicamentos patenteados. Para completar, havia o éter, o hidrato de cloral, os barbitúricos da Bayer - usados para pegar no sono - e a cada ano surgia uma nova leva de drogas.
O movimento antidrogas é filho da Lei Seca.
As drogas estavam arrasando famílias, levando mulheres viciadas à prostituição e homens a roubar, trazendo ruína financeira e desgraça pessoal. Surgiu o movimento antidrogas. Reunia especialistas em medicina, padres, pastores, donas de casa, editores de jornais, políticos de esquerda e policiais durões. Vinha do movimento da temperança contra o álcool. Uma mistura de moralismo e medicina com pitadas de racismo.
Não é novidade, desde o início o combate às drogas era racista.
O primeiro texto jornalístico contra as drogas afirmava: "Vejam só essas casas de ópio chinesas, esses mexicanos chapados de maconha e esses negros enlouquecidos pelas drogas". Do jornal foi parar nas campanhas governamentais contra as drogas. A situação chegou ao limite quando Theodore Roosevelt tornou-se presidente. Ele era progressista e dedicado a ter o país livre das drogas.
A Lei Harrison de 1914.
Roosevelt tentou vencer o lobby a favor das drogas nos medicamentos. Perdeu. A Lei Harrison, de 1914, seria a primeira lei antidrogas da história. Regulamentava e taxava a produção, importação e distribuição de narcóticos. Mas o que era um narcótico? Os médicos usavam a palavra para os medicamentos que provocavam sonolência. Para a polícia e legisladores, era qualquer droga que viciasse. Chegaram a um acordo. A Lei seria usada contra morfina, heroína e cocaína. Maconha estava de fora, continuaria livre.
Falha moral ou doença?
O palco estava armado para uma questão que é polêmica até hoje: o vício em drogas é uma falha moral ou uma doença? Em outras palavras: devemos tratar viciados como criminosos ou pacientes? O governo norte-americano optou pela criminalização, o Brasil e muitos outros países aderiram a essa ideia. Isso deixou muitos médicos em uma situação complicada.
25 mil médicos processados, 3 mil presos.
Tratar a dor de pacientes depois de uma cirurgia era "tolerável" pelos policiais e juízes. Apenas aceitável, mas deixava os médicos sob a decisão de qualquer policial. Mas e tratar pacientes com vício em morfina? Isso era permitido? Antes da lei, a quase totalidade dos médicos via o vício em drogas como um problema de saúde. A tarefa era curá-lo. Receitavam morfina ou heroína para os pacientes viciados com o intuito de controlar e reduzir a quantidade, diminuindo aos poucos o vício. É bizarro, mas é verdade: poucos anos depois da Lei Harrison, cerca de 25 mil médicos foram processados; destes, cerca de 3 mil foram condenados e presos.
O amor entre o crime a as drogas.
Impossibilitados de adquirir legalmente uma dose, os viciados, como sempre, recorreram às ruas, ao contrabando. Depois da Lei Harrison, o mercado das drogas, que era bastante restrito, decolou, foi às nuvens. Virou um dos "maiores negócios do planeta". Era o começo de um longo relacionamento amoroso entre o crime e as drogas. Por volta de 1.930, já não havia médicos nas cadeias. Mas cerca de um terço da população carcerária dos EUA era de pessoas condenadas por venda de drogas. Quase todos, negros, mexicanos e asiáticos.