Vírus, uma breve biografia
Em um dia ensolarado, com temperatura aproximada de 75 graus Celsius, há 4 bilhões de anos, nascia o vírus. Não existiam animais e nem plantas, apenas rochas. O vírus nasceu em um mundo que denominamos de apocaliptico. O planeta sacudia. Havia, então, uma enormidade de terremotos, tsunamis e erupções vulcânicas. O horizonte de furacões e raios era entrecortado pela queda de meteoros, comuns em um sistema solar ainda jovem, na flor de seus 500 milhões de anos.
Os cientistas reproduzem em laboratório o mundo de quando nasceu o vírus.
Essa era uma tese, apenas uma ideia de como funcionava o nosso planeta até o ano de 1952. Nessa data, Stanley Miller e Harold Urey, da Universidade de Chicago, conseguiram a façanha de reproduzir em laboratório essas condições que criaram o vírus. Colocaram água, hidrogênio, metano e amonía dentro de um recipiente e o aqueceram, até que o líquido virasse vapor. Em seguida, bombardearam o vapor com descargas elétricas. Voltaram a condensá-lo. Após uma semana desse processo intermitente, a solução aquosa - antes estéril - tinha cinco aminoácidos. O grande sinal de vida tinha acontecido. Os aminoácidos são os filamentos que compõem as proteínas. São eles que também compõem os nucleotídeos, as famosas "letrinhas" A, T, C e G que compõem o DNA. Tínhamos DNA e proteína. Tínhamos vida.
O mundo do RNA e do DNA.
Não são poucas as teorias que buscam explicar o surgimento da vida, questão fundamental que inaugurava a ciência, a filosofia e a religião. Essas teorias tanto podem ser unidas como uma rechaçaria as demais. Nos cabe verificar a científica. Se temos bem postada a ideia de como apareceram os nucleotídeos, falta muito explicar - e comprovar - como eles se uniram. A tese é de que se uniram, inicialmente, formando o RNA, que é frágil, instável e manobrável quando comparado ao DNA. A boa comparação é que o RNA é uma casa de alvenaria, enquanto o DNA é um bunker de aço. Em algum momento, o RNA aprendeu a se reproduzir. Isso não é difícil dada sua instabilidade constante. O RNA é muito reativo. Com o passar de milhões de anos, esse RNA "subiu na vida" , evoluiu para um invólucro mais seguro, virou DNA.
A informação genética de todos seres vivos.
Hoje, todo ser vivo de uma simples ameba, até uma onça ou um ipê e, é claro, nós humanos, armazena sua informação genética em DNA. A única exceção é o vírus. Ele é capaz de armazenar sua informação genética - sua capacidade de fazer filhos semelhantes a ele - tanto em DNA como em RNA, como é o caso do Sars-Cov-2, nome técnico do vírus responsável pela pandemia atual. Ele nos ameaça, mas também é um longínquo antepassado, um elo com nossa versão celular mais arcaica. No princípio, antes do verbo, nos talvez fôssemos um tipo de vírus.
O náufrago e a ilha.
O vírus é o parasita por excelência, incapaz de ser protagonista de sua própria vida. Ele precisa do auxílio de uma célula, da qual se apropria à força. Ele sequestra algumas partes da célula. Caso contrário, não conseguirá se replicar, ter "filhotes". Quando não está usufruindo de uma célula, o vírus navega pelo mundo, como um náufrago à deriva, esperançoso de encontrar uma ilha - um ser vivo dotado de células compatíveis com o seu material genético - onde possa encontrar boas condições de ter seus "filhotes". Observem que além de encontrar a ilha, terá de ser compatível. Dupla tarefa.
Muitas vezes violento.
Por vezes, o encontro do vírus com a ilha é violento - a medicina denomina de patogênico. O náufrago se faz dono da ilha, consome todos seus recursos e vai embora. Estará ainda faminto. Procurará por outras ilhas similares. Não sem antes se reproduzir, ter milhares de "filhotes", para otimizar a nova empreitada. É essa a relação que temos com o novo coronavírus. Somos uma ilha a ser devorada. Muitos vírus novos agem dessa maneira destrutiva, com o passar dos anos, tendem a ser menos violentos. São violentos enquanto "bebês". Fruto dessa destruição anárquica da ilha, podem também se auto-destruir. Mas podem aprender, e se tornarem comensais.
Vírus comensal.
Mas há os vírus que são comensais. São a maioria. O náufrago habita a ilha de forma sustentável. Pesca seus peixes, bebe seus cocos, tomando cuidado para não extinguir nenhum recurso natural. Em termos médicos: esse tipo de vírus vive dentro das células, faz uso de seu maquinário, mas não a adoece. Não tenta matar aquele que tão bem o acolheu.
O terceiro tipo de vírus são os mutualista.
Também há os mutualista. São aqueles vírus que agem como o náufrago que chega à ilha e planta uma horta, além de não depredá-la. É como se fosse um casamento arranjado, que tem tudo para não dar certo, mas acaba prosperando por obra do acaso e pela capacidade de adaptação de cada cônjuge. O exemplo clássico é das abóboras que, com o casamento com o potyvírus, se torna menos apetecível para alguns besouros, seus mais vorazes predadores. Também há o vírus da hepatite G que retarda o desenvolvimento do HIV em humanos.
O caminhão e a moto.
Pense que a célula é um caminhão, e que o vírus, muito menor, é uma moto. Eles param lado a lado no sinal de trânsito, e o motoqueiro anuncia o assalto. Se a moto (o vírus) é feito de DNA , o motoqueiro só precisa tomar o combustível para seguir viagem. Se a moto for de RNA, é como se fosse movida a eletricidade e, nesse caso, roubar o combustível é inútil. O motoqueiro tomara outras coisas que faltem em sua moto como a caçamba, o farol de milha, o estepe... ou seja, o vírus de RNA tende a fazer um estrago maior. É o caso do novo coronavírus, um bebê trapalhão, causador de inúmeros estragos.