Como aglomerar é rotina em frigoríficos, trabalhadores querem reduzir produção
Empresas grandes chegam a aglomerar, só no setor de desossa, mais de 400 empregados
Isolar é impossível e aglomerar é a regra. Assim é a rotina na cadeia da carne, um dos segmentos mais pujantes de Mato Grosso do Sul e por onde o novo coronavírus tem se espalhado e instalado transmissão comunitária nas cidades com frigoríficos. Com milhares de trabalhadores em todo o Estado, o setor virou “cidade sem quarentena” onde a produção está a todo vapor e o contato com gente de fora é constante.
A Federação dos Trabalhadores na Indústria da Alimentação de Mato Grosso do Sul fala em 16 mil trabalhadores em Campo Grande, Dourados, Sidrolândia, Terenos, Aquidauana, Naviraí, Nova Andradina, Bataguassu, Paranaíba e Três Lagoas. Só em Dourados, onde uma trabalhadora indígena da planta da JBS espalhou contágio dentro e fora da empresa, a região representa 10 mil desse total de empregados.
"Ela [fábrica] mata 2,1 mil cabeças por dia, ela roda mais de cento e poucos por hora. Se não for um trabalhando do lado do outro com rapidez, não tem como produzir”, afirma o presidente da Federação, Wilson Gimenes Gregório, que representa trabalhadores de 15 empresas em 20 frigoríficos.
Em uma grande empresa como a JBS, por exemplo, são, em média, 10 setores, do curral do gado ao embarque dos produtos já embalados, prontos para deixarem o estado e o país.
“Começa pelo curral, vem o abate, miúdos, triparia, bucharia, couro, desossa, carregamento, caixaria [a montagem das caixas que vai para embalagem], embalagens - que fica quase junto com a desossa -, depois que separa vai para esse setor de embarque”, explica o presidente da Federação, que trabalha em unidade da JBS em Campo Grande, na saída para Sidrolândia.
Aglomerar é a regra – Só no setor de desossa, o maior da instalação, atuam mais de 400 pessoas. No abate, quase 200. “E são várias funções, não tem como fazer distanciamento”, comenta Wilson.
O contato com quem chega ou com quem vai embora também é constante, emenda. “Os pecuaristas vão assistir o abate, é 24 horas chegando e saindo caminhão, são uns 20 caminhões para levar pra exportação”, relata.
Diante do risco, a Federação entrou com pedido judicial para que a JBS reduzisse a produção em Campo Grande e intercalasse a jornada dos trabalhadores, mas perdeu essa briga. Segundo Wilson, a entidade sindical quer recorrer em tribunal superior do trabalho.
“O Ministério Público do Trabalho está sendo parceiro, a gente manda denúncia, sindicato encaminha para empresa, sempre denunciamos. Mas no papel é uma coisa, na prática é outra, quando passa do portão para dentro”, diz ele.
Wilson ainda cita a aglomeração no transporte, onde os trabalhadores vem e voltam juntos nos ônibus das empresas. “Me surpreendeu Guia Lopes, por ser pequena, e do nada apareceu, aí demonstra a fragilidade dos frigoríficos na segurança e na saúde, porque esse negócio de cuidar do trabalhador é só pra mostrar, pra Justiça ver. Passou do portão para dentro é outra coisa”, critica ele.
A pedido da reportagem, a JBS cedeu dois vídeos de divulgação sobre parte da rotina dentro da planta de Dourados:
Em Dourados pelo menos 36 funcionários da unidade que produz cortes e derivados de carne suína já testaram positivo para covid-19. Ali, conforme a assessoria de imprensa da empresa, 30 indígenas fazem parte da lista de trabalhadores, mas foram afastados depois que a primeira funcionária testou positivo e instalou contágio na Reserva, com 31 casos confirmados.
O MPT (Ministério Público do Trabalho) declarou, em nota, que vai anunciar na sexta-feira (22) de que forma tem atuado para garantir a proteção desses trabalhadores na cidade. Segundo a assessoria de imprensa da Procuradoria do Trabalho, em abril, 30 empresas com unidades ativas em Mato Grosso do Sul foram notificadas com recomendação específica sobre práticas sanitárias.
Uma cidade contaminada – Em Guia Lopes da Laguna há 119 casos de covid-19 em uma cidade de apenas 10 mil habitantes, o que faz a incidência da doença ser a 7º maior do Brasil. E tudo começou em um frigorífico com mais de 300 funcionários, onde o contato com um caminhoneiro de São Paulo, no setor de carregamento e embarque, contagiou de uma vez 5 trabalhadores e agora, 61 já testaram positivo para covid-19.
Presidente do sindicato que representa toda a região do Pantanal, o trabalhador aposentado Jilvane Alves dos Santos também acredita que a redução da produção e escalas de trabalhadores seria o melhor caminho para reduzir a curva de contágio.
“É difícil pra caramba, eles tentam [distanciar], eu estive nas plantas. E você tem que fazer o distanciamento desse povo. É uma coisa boa [reduzir produção], mas é complicado, eu espero que possa acontecer isso”, comenta. “Eu até estou sem negociar o acordo coletivo, eu já mandei o acordo pra lá, já está com dois meses, estou aguardando uma resposta até amanhã, mas já tive contato com sindicato patronal e a advogada falou que não sabe se eles vão negociar”, disse ele, sobre a JBS em Anastácio.
De modo geral, ainda assim, a região tem plantas menores, de diferentes empresas, e algumas chegaram a dar férias coletivas por 15 dias para os trabalhadores, caso da Brasil Global em Guia Lopes da Laguna.
“Tem o frigorífico entre Guia Lopes e Bonito, Franca Comércio de Carnes, nas proximidades, fechou as portas também porque os trabalhadores foram contagiados por alguém de fora que foi lá. Realmente, o vírus, ele está no ar, ninguém vê. É difícil porque as empresas têm contratos de carne para serem entregues”, comenta.
Outro lado - Presidente do Sicadems (Sindicato das Indústrias de Frios, Carnes e Derivados de Mato Grosso do Sul), Sérgio Capucci disse que reduzir o volume de produção “pode inviabilizar o trabalho”. “É muito difícil porque cada um fica num posto de trabalho, se você reduz, você não consegue produzir”, afirma.
Ele garante que as empresas do setor criaram um protocolo, "um plano de contingência e que está sendo aplicado". "Tudo o que pode ser feito para minimizar o contágio e as possibilidades de contágio. Cada indústria tem suas particularidades e também foram acatadas todas as exigências e as solicitações do MPT. Dentro das empresas está se exigindo mais as normas do que fora das empresas. Ali dentro tem o controle”, disse.
Por meio da assessoria de imprensa, a JBS disse que a prioridade “é a saúde dos trabalhadores”. “A empresa tem aplicado todas as medidas de segurança e prevenção contra a covid-19, conforme orientação dos órgãos de saúde e de especialistas contratados pela empresa, incluindo médicos infectologistas e o Hospital Albert Einstein”, cita a empresa.
A JBS cita que, além dos indígenas, também afastou dos frigoríficos em Mato Grosso do Sul todos os trabalhadores do grupo de risco.
“Entre as ações de segurança e proteção implementadas pela JBS está o afastamento temporário dos colaboradores do grupo de risco – maiores de 60 anos, gestantes e os que tenham indicação clínica. Também fazem parte dos afastados os colaboradores que apresentarem sintomas gripais, que tenham recomendação médica e os que tenham testado positivo para covid-19. Em todos os casos, os colaboradores têm seus benefícios garantidos e recebem assistência e acompanhamento integral por parte da empresa”, diz.
A empresa ressalta que adotou várias medidas para coibir a aglomeração de pessoas e promover o distanciamento seguro entre os membros das equipes e para garantir a produção de alimentos para população.
"A JBS já promoveu dezenas de ações em todas as suas unidades, incluindo a de Dourados, e que são comprovadamente eficazes no enfrentamento dessa pandemia", completa. Ainda em nota à imprensa a Companhia também esclarece que "proibiu visitas externas às suas unidades no início do mês de março. Essa medida inclui pecuaristas e demais parceiros externos".
Matéria editada às 21h51 para acréscimo de informações***