Greves, desemprego, reforma: o ano em que o mercado cruzou os braços
Emprego em baixa, perdas salariais, paralisações novas regras marcaram 2017
“O ritmo da nossa economia tem empurrado as estatísticas de emprego para cima”. A avaliação foi feita pelo governador Reinaldo Azambuja em 1º de maio, Dia do Trabalhador, depois de Mato Grosso do Sul iniciar o ano com quatro saldos positivos no mercado de trabalho formal.
No entanto, ainda era cedo para comemorações e para desenhar, sem erros nos traços, o cenário para 2017 do mercado de trabalho do Estado. Naquele mesmo mês de maio, as empresas elevaram as demissões para níveis recordes. O baixo desempenho continuou nos meses seguintes, resultando em queda acentuada do saldo de criação de empregos.
Além da retração nos números do mercado formal, 2017 foi marcado, em se tratando de trabalho, por queda real dos salários, por greves de várias categorias e pela aprovação da reforma trabalhista, mesmo com diversas manifestações contrárias.
Tudo corria bem... até abril. De janeiro a esse mês, as empresas do Estado contrataram mais que demitiram. Mato Grosso do Sul encerrou os quatro primeiros meses de 2017 com saldos positivos, acumulando, no período, criação de 5.357 empregos de acordo com o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego).
A estatística expressiva não deixou dúvida: serviria aos propósitos do governo para provar com números o “bom momento” da economia local. No Dia do Trabalhador, em referência aos dados do Caged, o governador Reinaldo Azambuja comentou: “O ritmo da nossa economia tem empurrado as estatísticas de emprego para cima. Há uma crise instalada no País, mas em Mato Grosso do Sul os sinais de crescimento são reais”.
Os “sinais”, entretanto, indicaram o lado oposto: o do enxugamento de vagas. Em maio, foram extintos 1.336 postos de trabalho no Estado, o pior resultado para o mês em toda a série histórica do Caged, iniciada em 1992. No primeiro momento, o desempenho de maio parecia exceção, já que junho fechou com saldo positivo de 250 novas vagas.
A avalanche de retrações veio nos meses seguintes: julho (-1.827), agosto (-466) e setembro (-2.815) fecharam, no total, 5.108 empregos. Houve avanço em outubro (722 vagas), quebrado com o crescimento do desemprego em novembro. Nesse mês, foram extintos 2.444 postos de trabalho no Estado.
Com as oscilações, o quadro geral deste ano foi de diferença, relativamente pequena, entre contratações e demissões. O saldo, no acumulado de janeiro a novembro, foi de 1.512 empregos. A quantidade está muito abaixo a de igual período de 2016, quando foram geradas 6.726 novas vagas – a queda é 77,5%.
Construção fechou 3.204 empregos no ano
Com ampla cadeia produtiva e central na economia, a construção civil foi o setor com o pior desempenho no mercado de trabalho do Estado neste ano, de acordo com os dados do Caged. De janeiro a novembro, as empresas desse segmento contrataram 20.287, mas demitiram 23.491 trabalhadores. O saldo é de 3.204 vagas fechadas, média de 290 empregos extintos por mês.
Também acumularam, até novembro, resultados negativos os serviços industriais de utilidade pública (-19) e a administração pública (-2). As demais atividades contrataram mais que demitiram durante o ano, com destaque ao setor de serviços (1.782). Na sequência, estão: comércio (1.440), agropecuária (1.174), indústria (327) e extrativismo mineral (14).
Salários – Com negociações de diferentes categorias limitadas à correção inflacionária, o ano também foi caracterizado por perda da renda do trabalhador. De acordo com o Caged, o salário médio de admissão, em novembro, foi de R$ 1.324,57, a redução nominal (sem considerar a inflação) de 0,3% no acumulado do ano – em dezembro, o valor era de R$ 1.346,15.
IBGE – Outro levantamento também verificou o avanço do desemprego em Mato Grosso do Sul. A PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mostrou que havia no Estado 123 mil desempregados no segundo trimestre (abril a junho) deste ano.
Em meio a manifestações, reforma é aprovada e altera legislação trabalhista
Diversas manifestações foram realizadas por diferentes categorias em Mato Grosso do Sul e em todo o País. Apesar disso, no dia 11 de novembro, entrava em vigor no Brasil uma nova legislação trabalhista, que alterou a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
A defesa do governo federal é que a mudança corrigiria distorções, reduziria a informalidade e aumentaria o emprego. Críticos da reforma argumentaram, por outro lado, que as novas regras reduzem direitos, tornando o mercado de trabalho ainda mais precário e enfraquecendo a Justiça trabalhista.
Paralisações gerais contra a reforma foram realizadas em 15 de março e 28 de abril. Nesses dias, trabalhadores do transporte coletivo, bancários, professores, agentes penitenciários, policiais e diversas outras categorias paralisaram as atividades em Campo Grande e em todo o Estado, acompanhando as ações nacionais. Também houve protesto no dia 30 de junho, mas as adesões foram fracas na Capital.
Greves em quase todos os meses do ano
Não só contra a reforma trabalhista que profissionais de várias categorias foram às ruas neste ano em Campo Grande e em todo o Estado.Também ocorreram greves de médicos, professores, funcionários dos Correios, bancários, agentes penitenciários, policiais, bombeiros, garis, entre outros trabalhadores, que reivindicaram, principalmente, aumentos salariais.
O ano começou já com indicativos de greves de diferentes categorias, como agentes penitenciários, profissionais da saúde e de professores.
Em março, do dia 15 a 17, professores de escolas públicas fizeram greve contra propostas do Governo federal, com destaque à Reforma da Previdência.
Em 7 de abril, funcionários da Solurb, empresa de coleta de lixo de Campo Grande, deflagraram greve por não receberam benefícios, como auxílio-alimentação, e temerem não ter o salário. A paralisação durou menos de um dia, devido à decisão contrária do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) – a categoria deveria ter comunicado a greve com 72 horas de antecedência.
Em maio, no dia 30, professores da rede estadual voltaram a fazer greve, cobrando reajuste de 7,64% do piso salarial.
Em junho, médicos da da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde Pública) pararam as atividades, reivindicando reajuste de salário, mesmo com prévia determinação judicial proibindo o movimento.
Em Dourados, professores e servidores administrativos da Educação entraram em greve no mês de agosto, porque a prefeitura não concedeu o reajuste do piso nacional do magistério.
No início de setembro, policiais militares e bombeiros protestaram por aumento salarial. Nesse mesmo mês, funcionários do setor de enfermagem e médicos da Santa Casa deflagraram greve por atraso de salário. O movimento durou nove dias, encerrando-se em 27 de setembro.
Ainda nesse mês, no dia 19, funcionários dos Correios entraram em greve, para pressionar aumento salarial. As atividades foram retomadas no dia 9 de outubro.
Também em outubro, funcionários terceirizados do HU (Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian), em Campo Grande, pararam as atividades.
No dia 16 de outubro, agentes penitenciários também entraram em greve. O movimento foi encerrado no dia 20 depois de decisão da Justiça, que considerou a greve ilegal.
Ainda em outubro, analistas tributários protestaram por 24 horas contra a demora no cumprimento de acordos salariais e auditores fiscais deflagraram greve.
Fantasma do desemprego ronda dia a dia dos trabalhadores campo-grandenses
Os campo-grandenses sentiram de diferentes modos os impactos do comportamento do mercado de trabalho neste ano.Também agiram e agem de maneiras diversas para exorcizar o fantasma do desemprego.
A professora Thays da Costa, 24 anos, recém-formada em Pedagogia, está à procura de emprego. “Estou desempregada no momento. Fiz algumas entrevistas e estou aguardando”, contou. Entre suas contas, a que mais preocupa é a relativa ao Fies (Financiamento Estudantil). “Essa dívida vai longe, até 2032”, contou.
Cristina da Silva Freitas, 23 anos, que também tem, assim como Thays, um Fies a perder de vista, ficou desempregada duas vezes, mas rapidinho voltou ao mercado de trabalho. Ela cursa Educação Física e, enquanto não termina a faculdade, trabalha em outras áreas.
“Tem uma crise acontecendo, mas há vagas. Na minha opinião, muitos fazem corpo mole”, avaliou. Ela contou que sempre está antenada às oportunidades. “Vou atrás, mando currículo, converso com as pessoas”, disse. Em março, ela perdeu emprego de auxiliar administrativa, mas em dois dias estava trabalhando como auxiliar de cozinha. Em setembro, ficou, novamente, desempregada. “De novo, em dois dias voltei a trabalhar”, contou Cristina, que é, agora, recepcionista.
Embora continue trabalhando como laboratorista em uma indústria da Capital, Luciane Nunes Ribeiro, 37 anos, é rondada pelo desemprego. “Meu esposo está desempregado há seis meses”, disse. Além disso, na empresa em que trabalha, há o clima tenso de demissões a qualquer hora. “Fico com medo de ficar desempregada”, admite.
A vendedora ambulante Sirley Pereira de Araújo, 53 anos, enfrenta a crise com sucos, café e salgados. “Pra mim, não tem crise. Sempre trabalhei, a vida toda. Sou viúva e sustentei meus filhos com muito trabalho”, afirmou.
No entanto, ela admite que está difícil fechar as contas no azul no fim de cada mês. “Ainda mais eu, que sou gastadeira”, disse, em meio a risos, outra maneira singular de enfrentar as intempéries da economia e do mercado de trabalho.