Operação Carne Fraca pode levar pecuária à maior crise da história
Investigação revela que JBS, que tem unidades em MS, e outras empresas comercializaram carnes podres, maquiadas com ácido e reembaladas depois de vencidas
Depois que a Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, revelou o uso de carnes podres, maquiadas com ácido e reembaladas depois de vencidas, nesta sexta-feira (17), Mato Grosso do Sul e a cadeia produtiva da pecuária no país podem entrar em colapso que ameaça a economia nacional. O alerta vem do próprio setor produtivo.
O presidente da Acrissul (Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul), Jonathan Barbosa, chama atenção para o que pode ser a maior crise vivida pelo setor na história. Além de temerem pelo impacto negativo nos mercados internacional e interno, sob pena de perder a credibilidade quanto à qualidade dos produtos que oferece, caso o frigorífico JBS seja abrigado a fechar as portas "a pecuária em Mato Grosso do Sul quebra".
"O governo brasileiro deixou a JBS crescer tanto que o produtor não tem mais para quem vender. A JBS hoje, não só no Brasil, mas na Europa e nos Estados Unidos, tem quase o domínio absoluto da carne, não só bovina, mas também suína e de frango. Se tiverem que fechar, por exemplo, até o agronegócio afunda. Uma coisa depende da outra", explica Barbosa.
De acordo com o presidente do MNP (Movimento Nacional dos Produtores), Rafael Gratão, vincular a imagem do produtor rural, que investe para produzir alimentos, é uma preocupação que só não é maior que os danos conferidos aos consumidores da proteína animal, vencida e mascarada pelos frigoríficos, e à proporção de perdas econômicas que isso poderá gerar para a nação brasileira.
“A comercialização de carnes no mercado interno e externo são fundamentais para economia nacional, e especialmente para Mato Grosso do Sul. Esse fator coloca em xeque não só a credibilidade das unidades frigoríficas, mas todo o trabalho desenvolvido da porteira para dentro, uma vez que o crime desta proporção pode fechar mercados internacionais, e até diminuir os índices de consumo de carne”, manifesta
O presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), José Augusto de Castro, avalia que a imagem do Brasil no estrangeiro vai ser muito afetada pelo resultado das investigações. “O Brasil demorou muito tempo para consolidar sua participação no mercado internacional e hoje é um dos grandes exportadores de carne. Então, com isso, a imagem do país, vai ser muito afetada”, avaliou.
Ele esclareceu ainda que como a exportação de carne não é bolsa de mercadorias mas mercado físico, “oferta e demanda”, o país vai enfrentar eventuais cancelamentos e possíveis reduções de preços. “O cenário só não será pior porque nos Estados Unidos, que são o maior exportador de carne de frango hoje, apareceu mais um caso de gripe aviária. Mas, infelizmente, nós vamos sentir o impacto negativo aqui”, disse Castro.
Os produtores alertam ainda para a iminente crise econômica no setor. “Caso confirmada a participação do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), além de uma crise, o cenário se desenvolverá para uma grande crise institucional, uma vez que, nós, pecuaristas, já insatisfeitos com a precificação e desvalorização dos animais, passaremos a ser mais atentos e fiscais dos produtos que nós prezamos por produzir”, adverte Gratão.
Na lista das grande empresas, com atuação nacional e no exterior, aparecem a BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão; e JBS, dona da Seara e Big Frango. A JBS tem unidades em Mato Grosso do Sul. No entanto, o Estado não foi alvo da "Carne Fraca".
A ação, a maior da história da PF, cumpriu 309 mandados judiciais em São Paulo, Distrito Federal, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás.
Impacto – Segundo Pesquisa Trimestral de Produção Animal, divulgada este mês pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o volume de abates bovinos em Mato Grosso do Sul caiu 3,4% entre 2015 e 2016.
Ainda assim, o Estado segue ocupando o segundo lugar no ranking nacional do setor, atrás do vizinho Mato Grosso, que fechou o ano passado com aumento de 2,7%.
No Brasil foi contabilizada queda de 3,2% na quantidade de abates no mesmo período. Essa foi a terceira baixa consecutiva na serie histórica do IBGE. Já o peso médio das carcaças aumentou 3,3 quilos em relação a 2015, já que houve redução de fêmeas (que geralmente são mais leves) no montante analisado.
Hong Kong, na China, foi o principal destino das exportações de carne brasileiras em 2016, tendo recebido 181.292 toneladas do produto. Contudo, levando em consideração os demais países que compram carne do país, houve queda de 0,3% comparando os dois últimos anos. A maior retração foi registrada na Venezuela, que adquiriu 71.397 toneladas a menos de carne em 2016.
O preço médio da arroba bovina fechou 2016 em R$ 152,90, variando de R$ 147,38 a R$ 159,49. Comparando os anos de 2015 e 2016 foi registrado aumento de 5,15%, abaixo do Índice Geral de Inflação de 6,29%.
De acordo com a AEB, o Brasil exporta atualmente quase US$ 12 bilhões (o equivalente a quase R$ 40 bilhões) de carnes bovina, suína e de frango por ano. “É um setor que emprega muita gente. Os principais compradores da carne brasileira de frango são Arábia Saudita, China e Japão, que são muito exigentes. Possivelmente, eles vão cancelar seus contratos ou vão pedir novos certificados”, indicou Castro.
Ele salientou que, eventualmente, poderá ocorrer repercussões em terceiros países, que podem entender que o Brasil perdeu credibilidade com a emissão de certificados. “É um cenário difícil”, pontuou. O presidente da AEB lamentou que depois da notícia de ontem de que o Brasil aumentou, pela primeira vez nos últimos meses, o nível de emprego, ter essa notícia hoje “foi muito ruim”.
Supermercados - A Operação Carne Fraca impactou também no mercado interno. Em nota, Abras (Associação Brasileira de Supermercados) orientou seus associados a “priorizar a qualidade e a segurança na comercialização dos alimentos vendidos em todas as lojas do Brasil”.
A entidade destacou que sempre recomenda a aquisição de produtos com o selo do SIF (Serviço de Inspeção Federal). “Vale ressaltar que as lojas não mantêm produtos perecíveis em estoque por mais de 10 dias, que é o prazo médio entre a produção e a comercialização”, observou. A Abras disse ainda que está aguardando a identificação dos lotes irregulares para tomar as medidas necessárias, segundo a nota.