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Educação e Tecnologia

Ninguém mais vende cartão telefônico e orelhão mal serve para ligar a cobrar

Devido ao alto custo de fabricação, os cartões deixaram de ser produzidos e agora os orelhões são só decoração

Por Geniffer Valeriano | 19/09/2023 12:37
Orelhão instalado na Rua 13 de Maio (Foto: Marcos Maluf)
Orelhão instalado na Rua 13 de Maio (Foto: Marcos Maluf)

Com quase 200 orelhões instalados nas ruas de Campo Grande, os telefones agora não passam de decoração. Dentre antigos vendedores e usuários do serviço, a ferramenta de comunicação é lembrada com muita nostalgia. Entre os jovens, o que ficou foi a curiosidade em usá-lo na infância. Devido ao alto custo de fabricação, cartões deixaram de ser produzidos e por isso não se vende mais.

Um serviço que ainda funciona é de ligação a cobrar, mas poucos ainda lembram como isso é feito, boa parte dos adolescentes jamais souberam e a maioria dos orelhões está danificada. Quem lembra ensina: basta discar 9090 antes do número do telefone fixo ou do celular. Ai, cabe a pessoa do outro lado da linha aceitar ou não a ligação que será cobrada de quem atende.

E nem adianta procurar o cartão para poupar o constrangimento da pessoa do outro lado desligar na sua cara. Atrás de algum lugar que ainda tivesse a venda, a reportagem andou mais de 5 km, mas em nenhum local foi encontrado. O comerciante Antônio Carlos Martelli, de 72 anos, tem uma banca a poucos metros de um orelhão e logo ao ser abordado já informou que não vendia mais os cartões há anos.

"Ninguém procura, faz muito tempo. Depois que inventaram esse trem de celular estragou tudo. Vendia bem, não era nem tanto pelo lucro, era mais pelas pessoas de fora, do interior, que ficavam perdidas, queriam ligar, mas não tinha como (sic)", contou o comerciante.

Outro antigo vendedor, Dairton Freitas, de 58 anos, diz que pelo menos uma vez ao ano encontra um cliente em busca do cartão telefônico. Em sua maioria, o público que procura é idoso. “A juventude está com celular na mão e podem ver tudo, né? E as pessoas de mais idade às vezes têm dificuldade”, comentou.

Nostalgia - Dentre a turma que já precisou do orelhão em algum momento, ninguém consegue lembrar a última vez que discou para alguém. Alguns chegam a dizer que achavam que os telefones não funcionam mais ou que já haviam sido todos retirados.

Beda não se lembra da última vez que usou um orelhão (Foto: Marcos Maluf)
Beda não se lembra da última vez que usou um orelhão (Foto: Marcos Maluf)

Coleção - Beda Machado, de 51 anos, contou que desde que surgiu o celular abandonou os orelhões e até mesmo os telefones fixos. "Vixe, eu nunca mais nem ouvi falar em orelhão, achei que nem existia mais. Acho que faz mais de 10 anos que não uso o orelhão, desde que saiu o celular para facilitar para o pobre, né? Aí nunca mais lembrei do orelhão".

A dona de casa ainda diz que a filha de 21 anos nunca teve contato com os telefones e que nem saberia usar um se precisasse. Apesar disso, a mãe relata que ao menos os cartões ela já viu, por causa de sua coleção.

“Acho que deve ter uns 200 e pouco ou 300 e pouco. É porque naquela época que tinha os animais do Pantanal essas coisas assim, né? Então aí eu fui só guardando, guardando, guardando, esses dias minha filha falou 'por que que a senhora não joga isso? Fica guardando isso para quê?' Ah, sei lá, acho que é uma coisa assim que a gente guardou com todo carinho, então fico com dó de jogar fora, né? E é algo que dá para mostrar para os netos”, disse.

Apesar da notável nostalgia sentida ao conversar sobre o assunto, Beda afirma não sentir falta dos dias que precisava dos orelhões. "Não tinha perto de casa e muitos eram vandalizados", explica.

 Samilly segura o cartão que ganhou de sua amiga (Foto: Marcos Maluf)
 Samilly segura o cartão que ganhou de sua amiga (Foto: Marcos Maluf)

Nova geração - Entre os jovens, os orelhões não são desconhecidos, mas a interação com o telefone foi feita por poucos. Jennifer Souza, de 21 anos, contou para a reportagem que quando mais nova utilizava o orelhão para conseguir falar com a família que mora na Capital. Na época, a jovem vivia em Rio Negro, cidade que fica a 163 km de Campo Grande.

Enquanto Fernanda de Almeida, de 16 anos, relembra que quando criança costumava brincar com um que ficava próximo a sua casa. Porém, nunca chegou de fato a utilizar o telefone público. Quando questionada se sabia como utilizá-lo, respondeu de forma humorada: “Imagino que tenha que discar, é isso?”.

Outra que também compartilha da mesma experiência é Samilly Albuquerque, de 19 anos. A jovem teve contato com um cartão telefônico ao receber de presente de uma amiga. O cartão que ela carrega consigo não é brasileiro. “Acho que é de alguma olimpíada. Eu achei ele bonitinho, por isso guardei. Sempre carrego ele dentro da bolsa”, disse.

Apenas a carcaça de orelhão ficou na Rua Rui Barbosa com a Maracaju (Foto: Marcos Maluf)
Apenas a carcaça de orelhão ficou na Rua Rui Barbosa com a Maracaju (Foto: Marcos Maluf)

Depredado - Conforme o site da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), no Estado há 1.610 orelhões, deste número 628 telefones estão disponíveis, enquanto 912 estão em manutenção. Na busca de um equipamento que ainda funcionasse, a reportagem conseguiu encontrar apenas um.

O orelhão encontrado estava em frente a uma clínica de saúde, no Bairro São Francisco. O telefone ainda recebe ligações, mas não emite nenhum som ao recebê-las. Mesmo no "modo silencioso" é possível conversar.

Através da ferramenta fique ligado, da Anatel, é possível encontrar o endereço de todos os 310 telefones públicos presentes aqui na Capital. O site fornece além da localização, a informação de disponibilidade ou manutenção do equipamento.

Em busca por um telefone que funcionasse, nos endereços mostrados no site, o Campo Grande News foi até outros três endereços. Na Rua Alagoas com a Rua Piratininga, a ferramenta mostrava que o equipamento estava disponível, porém ao encontrá-lo ele estava sem o gancho.

A mesma situação foi encontrada na Avenida Afonso Pena, próximo ao pontilhão da Ceará. Na Rua Rui Barbosa com a Maracaju, em frente à Oi, restou apenas a carcaça do telefone. Na esquina de cima, na Maracaju, há um outro equipamento que além de não funcionar está torto. Todos os endereços visitados eram apontados como se o equipamento estivesse disponível pela ferramenta da Agência da Nacional.

Telefone danificado na Rua Maracaju (Foto: Marcos Maluf)
Telefone danificado na Rua Maracaju (Foto: Marcos Maluf)

O que diz a telefonia - Procurada pelo Campo Grande News, a Oi informou que no Estado há cerca de 1,6 mil orelhões da empresa. Ainda foi dito que periodicamente é realizado manutenções nos telefones, além das emergenciais que ocorrem em caso de problema técnico ou sofrem vandalismo.

Ainda foi informado que Mato Grosso do Sul possui 66% dos orelhões instalados pela empresa em todo o Brasil. Em média, os telefones registram diariamente menos de uma chamada e causa um custo de manutenção de cerca de R$ 135 milhões por ano.

“O Brasil deveria seguir o exemplo de outros países, com a retirada de orelhões e melhor aproveitamento dos investimentos obrigatórios em telefones públicos para atender demandas mais atuais da população, como os serviços de conectividade e acesso à internet em banda larga. Não existe empresa que comercialize cartão telefônico e o custo de comercialização é maior que a receita das chamadas, o que se somaria aos custos de manutenção. Sendo assim, as ligações são gratuitas”, diz trecho da nota recebida.

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