Apagada da memória da cidade, casa pode não ter homenagem a Pedrossian
O casarão branco da esquina da Afonso Pena com a Rua Espírito Santo tem história. E muita. Não só pela mistura de estilos da arquitetura que pegou elementos mexicanos e juntou ao mediterrâneo, não somente pelos seus 2 mil metros quadrados. A grandeza vem de quem construiu e morou ali, o ex-governador Pedro Pedrossian, que não será lembrado com a abertura da mostra de arquitetura "Morar mais por menos".
A casa será sede da mostra que inaugura em novembro e ficará aberta ao público por 45 dias. À época do anúncio da escolha do imóvel, em junho deste ano, veio a história e as homenagens que seriam prestadas à família Pedrossian. Uma delas era o quarto para o 7° bisneto do ex-governador. Assinado pelo arquiteto Luis Pedro Scalise, a ideia era de homenagear uma ponta à outra da família, partindo do bisavô até o menino de 2 anos.
No entanto, a família soube que tal homenagem fora suspensa. Projetada no início dos anos 70 pelo arquiteto campo-grandense Avedis Balabanian, a casa foi erguida com detalhes que fossem do agrado da esposa de Pedrossian, Maria Aparecida. O casarão já passou por vários donos depois que foi vendida em 1986, com a derrota de Pedrossian nas urnas, mas nunca teve apagada na memória do campo-grandense que ali era a casa do Pedrossian.
"Nós fomos convidados, nunca pedimos nada e ficamos muito honrados. De repente, ficamos sabendo que não ia ter mais homenagem e nem qualquer menção ao nome do meu avô", desabafa a neta, Maria Eduarda Pedrossian Faria Gatti, de 32 anos.
O casarão sediou até os casamentos dos filhos do ex-governador. Nas fotos, os detalhes da casa na cerimônia, tanto civil, como a recepção do religioso de Rosana. Os registros do fotógrafo Roberto Higa mostram um pouco do interior da casa, no auge dela.
O casamento das imagens é da filha Rosana, em dezembro de 1979. "O civil foi dia 17 à noite e na manhã do dia seguinte, a recepção. Não tive festa, casei na São Francisco e fiz um jantar para o familiares e padrinhos", explica Rosana Pedrossian O'Neal. O casamento eram com Jomar, morto num acidente aéreo anos depois.
"Eu sonho com a minha casa até hoje. Significava tudo para mim, a cas da família onde ia toda a cidade", comenta. Considerada por ela a casa mais bonita da cidade, além da piscina, o que ela mais gostava ali era a lareira acesa no meio da sala no inverno e também a sala onde tem a abóboda, usada diariamente para o almoço da família.
Com um jardim no centro da casa e até um poço, a residência é imponente desde a entrada. A planta original apresentava pelo menos quatro salas e seis quartos, além da cozinha, lavanderia, jardins, piscina e área gourmet. Os espaços são divididos por graciosos degraus e apresentam entre azulejos, pedras, madeiras e piso cerâmico, todo material original da construção. No corredor ainda tem o jogo de luz com os nomes dos moradores da família Pedrossian, indicando qual chave era de qual quarto.
À família, restou a dúvida do porquê? "Não temos nada contra o evento, mas ficamos chateados. Não entendo, por que uma restrição dessa?" questiona a neta. Maria Eduarda "nasceu" na casa, vendida quando ela fez 4 anos.
Histórica na principal avenida da cidade, construída numa época em que Campo Grande acabava pouco antes a casa fica num terreno de 2 mil metros quadrados, sendo 1,6 mil de área construída. No jardim, um poço artificial de 1m de profundidade traz um ar ainda mais temático à casa.
Aos olhos de quem passa pela rua, a degradação natural veio com o tempo e continua a despertar curiosidade. Na memória do campo-grandense ficou sendo a "casa do Pedrossian".
Pedrossian já tinha sido governador de Mato Grosso entre 1966 e 1971 quando a começou a construir o imóvel. A família se mudou para lá em 1976.
Professor e arquiteto, Ângelo Arruda, relaciona os eventos políticos à arquitetura da casa, palco de muitos fatos. Pedrossian foi eleito Senador de Mato Grosso, em 1978, derrotando Plínio Barbosa Martins; depois em 1981 foi nomeado pelo presidente Geisel, governador do Estado de Mato Grosso do Sul e assistiu a sua derrota para Marcelo Miranda e Rachid Saldanha Derzi para o Senado em 1986.
"Aberta o tempo todo, não havia nem seguranças: todos que queriam entravam. Para bater um papo, conversar com o 'homem de Miranda' como dizia uma cantiga de uma de suas eleições", descreve Ângelo.
Em conversa do arquiteto com o filho de Pedrossian, Pedro Paulo Pedrossian, Pepê narra: "Aqui era uma casa aberta para todos. Quem queria entrar, vinha. Meu pai recebia todos para conversar na varanda e tinha uma ordem. Pessoal entrava pela garagem na Rua Espírito Santo e quem chegava ia esperando. Eu adorava acompanhar as conversas políticas de papai e assim eu ia ficando por ali e ele me dando tarefas. Era muito bom".
A ausência da ligação entre a casa e o ex-governador deixa um buraco na história da cidade. "Ele fez, ele construiu. Ele é uma figura pública importante para Mato Grosso e Mato Grosos do Sul. Foi quem a ergueu, o primeiro ali a habitar, é símbolo de um tempo", resume Ângelo Arruda.
A casa do governador por três vezes e senador teve a memória apagada.
A direção da mostra "Morar mais por menos" explicou ao Lado B que ainda está em negociação com o atual proprietário do imóvel e que tem esperança de poder fazer a homenagem. A diretora executiva da mostra, Iara Diniz, ressaltou que no contrato, uma das condições impostas pelo dono foi de que a casa servisse para uma mostra contemporânea e moderna e que ele não gostaria que houvesse alguma homenagem histórica.
"Não é especificamente ao Pedrossian e sim qualquer homenagem histórica", frisou Iara. A diretora sustentou ainda que eles insistem porque a mostra sempre teve este papel, de homenagear a história da cidade. Nas edições passadas por exemplo, a Rua 14 de Julho e o poeta Manoel de Barros foram a inspiração.
Este ano a casa deve ter uma projeção nacional, isso devido aos patrocínios dos Correios, Tok & Stok e Revista Quem.