Grafite de Jota Crepaldi põe em muro a morte indígena na disputa por terra
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Um passado mais que atual. Das notícias que ganham repercussão mundial para o grafite no muro da Orla Ferroviária: um fazendeiro, um café, uma corda e um índio morto. Seria um retrato de ontem, de hoje ou atemporal? A interpretação de cada um que passar pela esquina da Calógeras com a Mato Grosso vai levar em conta mais do que o contexto em que o Estado vive, a bagagem que carrega os olhos de quem cruzar com o recado de Jota Crepaldi.
De um lado, bigode e chapéu do senhor da fazenda. De outro, o cocar indígena que ainda colore o chão de onde está enterrado. A mensagem é clara de quem acompanha de longe o espetáculo de descaso que vive mais que Mato Grosso do Sul, um Brasil como um todo.
“O que está rolando é uma bizarrice em relação à população indígena. Senão fizer uma reforma política, esse Brasil vai acabar”, comenta. A mensagem está dada, o posicionamento é claro sob o cenário de protagonistas que vivem o sangue no campo.
Num bate-papo, ele explica a ligação que tem com o Estado, Jota cursou Publicidade e Propaganda em Campo Grande, morou aqui por cinco anos e mesmo tendo se dedicado ao grafite intensamente nos últimos seis anos, só agora entra em cena na Capital.
“A reflexão pode ser do contra ou a favor, mas a arte vai muito além da estética. Ela tem que fazer refletir. Arte bonitinha por bonitinha, muita gente faz. Se hoje passar alguém e não gostar e quiser pintar de preto, é porque se incomodou, é porque teve efeito”, argumenta.
O trabalho dele que agora se restringe ao grafite é com uma pegada de interior. “Faço bastante regional, coisa nordestina, caipira e sempre tentando refletir, a obrigação da arte é essa”.
O convite para grafitar em Campo Grande partiu de um amigo em comum e teve o intermédio do vereador Eduardo Romero. Recentemente a Câmara dos Vereadores aprovou a lei que prevê pena e multa para quem pichar patrimônios públicos, mas como incentivo ao grafite como arte, destina espaços para exposição do trabalho que vem da rua.
“Culturalmente, o que vem da rua é considerado ruim. Mas as coisas estão mudando, devagarinho, mas estão. A pichação é um assunto complicado. Todo adolescente tem necessidade de se expressar, o fato é qual forma ele usa para isso. Antes de tudo tem que vir a questão de respeito à propriedade que não é sua”, opina.
Antes de apontar partidos que foram tomados, passe os olhos no massacre descrito no grafite. Ali está um só índio e um só fazendeiro. Se a imagem causou reação, a arte se valeu do que realmente é, defende quem usa o grafite como serviço público. Porque arte na rua qualquer um interpreta. “Qualquer um tem acesso. É bom porque é uma arte democrática, não precisa pagar ingresso”, finaliza Jota.