Nem a poesia de Manoel de Barros salva as pichações da ira dos donos de muros
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“Borboletas são cores que voam” - Manoel de Barros
“Eles passarão, eu passarinho” - Mario Quintana
Em pontos diferentes de Campo Grande, os trechos dos poemas de dois grandes escritores brasileiros se destacam. As pichações cheias de literatura costumam embelezar a estrada de quem cruza a cidade por vezes com pressa ou a cabeça cheia. Mas, para quem defende a propriedade, nem com toda a boa intenção, a tinta é válida.
A gerente da Copiadora D'casa, Marisa Sauer, 48 anos, afirma que apesar de ser uma frase bonita, a pichação fere o direito à propriedade. “Ela foi feita no feriado, o dono que está viajando ainda nem viu. Eu acredito que mesmo com a intenção é um bem particular e foi feita sem autorização”, afirma.
O estabelecimento fica na esquina da Pedro Celestino com a 7 de setembro. O muro que foi pintado de verde, agora tem uma frase de Manoel de Barros como parte da decoração. “Não é um ambiente público. Não acredito que seja certo”, diz Marisa.
A defesa da gerente que de o ambiente privado deve ser preservado também é compartilhado pelas moradoras Lenir e Letícia Ramos, mãe e filha, que caminhavam na ponte da avenida da avenida Antônio Maria Coelho com a Calógeras. Mas, nesse caso, as duas defenderam que nem mesmo o espaço público deve ser alvo das pichações. “Quando é um grafite eu acho legal, mas tem que ter a autorização”, acredita Letícia.
Embaixo da passarela de pedestres, onde já foi o caminho do trem, uma frase se destaca: quanto vale a sua liberdade?. “Por mais que seja de reflexão eu acho fica feio. Acho que não tem nada a ver”, acredita Lenir.
Enquanto uns criticam a arte das ruas, alguns estabelecimentos procuram outros caminhos para driblar as pichações sem autorização. Na mesma rua, Antônio Maria Coelho, o proprietário de um Martelinho de Ouro viu nos grafiteiros a única saída para evitar as pichações não autorizadas. “Eu sempre pintava o muro e alguns dias depois estava tudo pichado. Um dia, um grafiteiro passou aqui e ofereceu o serviço, disse que se eu deixasse nunca mais ninguém picharia por cima. Deu certo”, comemora Gilmar Alves.
“A carne só é fraca quando a conduta não é forte”. A frase que compõe o grafite do estabelecimento do seu Gilmar é marcante e ele aprova. “Acho que faz as pessoas refletirem”, acredita Gilmar.
Do outro lado, ainda no estabelecimento de Gilmar, mas na Rui Barbosa, outro grafite e outra frase. “Tudo posso naquele que me fortalece”. “Essa fui eu que pedi. O grafite de cima é da arte dele, embaixo foi um desenho que eu pedi que ele fizesse. Ficou bem legal esse trabalho. Eu gostei do resultado”, ressalta.
Por fim, durante as andanças do Lado B em busca de mais poesias, em frente ao Clube Estoril repousa o verso de Mario Quintana. “Eles passarão, eu passarinho”. A Praça Portugal é bem cuidada e com bancos que convidam a reflexão. Apesar das outras pichações, o verso inevitavelmente parece combinar com toda a calmaria do lugar. Resta saber se a população também acha isso, pelo jeito, não.