A “ressurreição” de uma mãe que viveu 2 tragédias e a morte dos filhos
Pâmella conta como se reergueu e superou o luto após perder dois filhos dentro de um ano
A narrativa é repleta de detalhes, desde a beleza que transbordou de um céu azul naquele dia até o “e se eu tivesse feito algo?”. A maior tragédia que uma mãe poderia enfrentar ocorreu duas vezes com a empresária e terapeuta ocupacional Pâmella Felix, de 39 anos. Em um ano ela se despediu dos seus dois maiores amores da vida: os filhos.
Por muito tempo Pâmella foi uma mulher de lágrimas e dor. Acordava dia e noite na difícil missão de vencer o luto e seguir com a vida ao lado do marido e a filha mais velha, a pequena Manu, hoje com 5 anos de idade.
Pela primeira vez, Pâmella decidiu falar com o Lado B sobre a dor, sentimento de culpa, superação e a saudade de Benício e Francisco, ambos irmãos que faleceram num intervalo de apenas 1 ano e 6 dias.
Era 20 de junho de 2019 quando Pâmella foi com as crianças e o marido para uma chácara afastada do Centro, onde a família faria, nos dias seguintes, uma tradicional festa em homenagem a São João Batista. O dia estava bonito, “com céu azul, dia quente”, lembra.
Pâmella levou Manu e Benício – até então Francisco não havia nascido – para brincar no parquinho. Estavam radiantes com a brincadeira ao ar livre. “Eu estava de olho neles o tempo todo. Nunca sai de perto dos meus filhos”.
Mas dentro de minutos tudo mudou. A mãe subiu até a cozinha para lavar a louça e deixou as crianças na supervisão de adultos. “Mas como eu sempre fui muito protetora, alguma coisa me disse para eu ir olhar as crianças”.
Ela calcula aproximadamente 8 minutos entre ter deixado as crianças brincando e voltar para vê-las. Ao chegar no parquinho não enxergou Benício, que tinha 1 ano e 8 meses. Em seguida encontrou o filho caído na água. “Naquele momento o chão se abriu e eu não conseguia sentir mais nada além de dor e desespero. Quando peguei meu filho no colo sabia que ele havia partido, mas eu gritava por socorro”.
A criança recebeu atendimento do Corpo de Bombeiros, que tentou durante mais de uma hora a reanimação, mas o pequeno Benício não resistiu.
Por muito tempo, o sentimento de culpa se instalou no coração de Pâmella. “E se eu tivesse ficado lá?”, questionava-se. “Eu me sentia muito culpada e julgada. Foram momentos muito difíceis. Cheguei a estudar sobre afogamentos, tentando encontrar respostas para tudo o que havia acontecido”.
Além da dor, Pâmella enfrentou momentos de depressão, solidão e distância. “Eu tentava encontrar casos semelhantes para me sentir acolhida enquanto aquele sentimento de culpa não se distanciava. Apesar de muitos tentarem, ninguém consegue imaginar a dor que é uma mãe se despedir de um filho”, lembra.
Meses após a morte de Benício, o olhar da filha Manu, de apenas 5 anos, e a fé lhe trouxeram a vontade de viver. “Ainda era muito difícil, mas eu havia escolhido lutar. Foi quando eu e meu esposo participamos de um encontro de casal, onde tivemos uma surpresa”.
Dias depois do encontro, Pâmella descobriu que estava grávida. Após uma gestação difícil e complicações no parto que quase lhe tiraram a vida, o pequeno Francisco veio ao mundo cheio de vida. “Era o nosso arco-íris, um renascimento em nossas vidas, que foi recebido com todo amor do mundo”, descreve emocionada.
Francisco transparecia felicidade no rostinho delicado e sereno desde que nasceu no dia 25 de maio de 2020, em plena pandemia. Mãe e filho vivenciavam juntos um recomeço digno de comemoração no mês seguinte, pelos 30 dias de chegada ao mundo. Mas um choro incessante preocupou a mãe no dia 25 de junho. “Eu sabia que algo não estava bem com Francisco. Mas estávamos no auge da pandemia e, como não havia sintomas, a recomendação era que não fossemos para o hospital sem necessidade”.
Mãe e filho adormeceram naquele dia. Na manhã do dia 26 de junho, Pâmella acordou com um choro alto de Francisco, que sangrava pelo narizinho, boca e ouvidos. Por alguns segundos, a mãe suspeitou que havia dormido em cima do filho, mas os médicos deixaram claro que pelas circunstâncias isso não aconteceu.
“Levamos ele para o hospital para atendimento e lá iniciou uma busca por respostas”, lembra. Houve necessidade de transferência para uma UTI neonatal, que demorou mais de quatro horas. “Eu ficava atenta a cada médico e procedimento, mas ninguém sabia dizer exatamente o que acontecia com Francisco”.
Transferido para outro hospital particular da cidade, Francisco deu entrada na UTI, mas faleceu após três paradas cardiorrespiratórias. No relatório médico, o bebê se foi em decorrência de hemorragia interna e insuficiência respiratória. “Ninguém soube dizer exatamente o que ocorreu com o meu bebê. Foi uma sucessão de dúvidas que trouxe à tona de novo o sentimento de culpa”, lembra Pâmella.
Momento mais doloroso – Numa coincidência de datas, Francisco partiu um ano e seis dias depois de Benício. “Daquele dia em diante eu vivi meses dentro da cova”.
Sem ãnimo para sorrir, conversar ou se alimentar, Pâmella confessa que dormia e acordava sem condições de enxergar um sentido na vida. “A depressão veio com força juntos de pensamentos terríveis. Eu parecia não ter forças para viver. Tentava encontrar respostas ou algo que amenizasse aquela dor, mas no fundo eu sabia que nada traria meus dois anjinhos de volta”.
A “ressurreição” de uma mãe – Parecia difícil olhar para o mundo sem os dois filhos, mas a força adormecida no coração da mãe renasceu após ser amparada novamente pela fé e pelo olhar da filha pequena. Assim passou a buscar meios de vencer a dor. “Comecei a enxergar tudo sob a perspectiva da missão dos meus filhos. Compreendi que eles cumpriram a missão deles aqui”.
Por muito tempo Pâmella se questionou porque Francisco morreu um mês depois de nascido. “Cheguei a pensar que se ele tivesse partido no parto seria menos doloroso. Mas hoje eu penso que tive a chance de estar um mês junto dele, de não sair da maternidade de colo vazio, de ter meu filho nos braços”.
Pensando dessa forma, Pâmella escolheu tirar a palavra “perda” do vocabulário. “Porque quando a gente perde é como se tivesse a chance de reencontrar. Mas eu não vou reencontrar fisicamente os meus filhos. Então, no meu entendimento, eu os entreguei para Deus. Eles não voltam”.
Inteligente e carinhosa, a filha Manu também foi a chave para a recuperação de Pâmella. “Ela me disse que tem dois irmãos que moram no céu. Disse isso com uma maturidade e carinho que me surpreenderam. Foi então que eu decidi voltar a viver e ser o maior orgulho para os meus filhos”.
Pâmella sabe que a dor de perder um filho talvez seja a maior das tragédias, mas compreendeu que é possível voltar a viver quando se aceita ajuda. “Eu busquei acolhimento e compreender a minha dor, sem esconder o que eu realmente sentia. Hoje, toda a dor virou saudade e eu digo sem medo que tenho três filhos, sendo dois deles vivendo em um lugar sagrado”.
Com isso, ela se fortaleceu e escolheu também ajudar o próximo. Nos últimos meses ela é a pessoa que sai de casa até comunidades carentes para ajudar quem precisa. “Tenho feito o que eu posso. Ajudar o próximo também me fez enxergar que ainda tenho vida, que tenho uma filha linda que precisa de mim e que posso levar outras pessoas para essa corrente de bem”, encerra, deixando uma lição sobre recomeços.
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