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Comportamento

A transição de quem deixou a cidade para trabalhar perto da natureza

Ana, Marina e Neo são profissionais que viveram uma transição na carreira em meio à pandemia

Thailla Torres | 18/05/2021 10:57
Neo viveu transição durante a pandemia, quando buscava vida mais tranquila. (Foto: Fernando Peres)
Neo viveu transição durante a pandemia, quando buscava vida mais tranquila. (Foto: Fernando Peres)

Eles trocaram o ritmo de trabalho acelerado, o trânsito e uma vida em cidades movimentadas como São Paulo e Rio de Janeiro por uma rotina mais tranquila. Ana, Marina e Neo são profissionais que trocaram grandes centros urbanos para morar mais conectados com a natureza e atuam, muitas vezes, de forma remota. A transição que para alguns é vista como “loucura” para eles é um avanço imenso no alcance da qualidade de vida.

Os três viveram essa transição durante a pandemia, estimulados a viverem com menos estresse. A mudança de vida, claro, gera grandes questionamentos. Neo e Ana, por exemplo, vivem em Bonito, um dos melhores destinos turísticos do mundo. Há quem pense que os dois mais se divertem do que trabalham. Grande engano. Os compromissos permanecem, mas fazer reuniões sem que o som dos pássaros seja abafado pelo trânsito ou programar um dia de folga em meio a semana para um banho de rio são coisas que hoje não têm preço.

Já Marina vive em Maracaju. É uma mulher que já viajou por diferentes lugares, mas largou a cidade grande para realizar um sonho de infância, o de viver numa cidade pequena e desfrutar da calmaria. O que ela não imaginava era morar numa fazenda distante e mais isolada que muita gente. Viver essa transição também foi desafiador para Marina, que a cada dia desfruta de uma experiência nova.

Neo passou a responder muitos questionamentos sobre a sua mudança. (Foto: Fernando Peres)
Neo passou a responder muitos questionamentos sobre a sua mudança. (Foto: Fernando Peres)

Neo Avila tem 39 anos, é publicitário e natural de Campo Grande. Hoje tem orgulho de dizer que trabalha “com tempo para viver pequenas coisas”. Claro, ele também precisou vencer a “síndrome do turistão” como brinca ao falar, e entender que morar numa cidade turística exige disciplina, ou seja, não dá para tomar banho no rio cristalino com os amigos todos os dias, embora isso seja delicioso. “Tem gente que trabalha até duas semanas aqui sem ir para o rio. Mas desfruta de uma tranquilidade que não há na cidade grande”, enfatiza.

Neo sempre gostou de estar perto da natureza e nos últimos anos decidiu rever sua trajetória profissional se especializando em marketing socioambiental. “Depois de 4 anos e meio morando em São Paulo eu já estava sentindo falta de verde. Foi quando a pandemia começou e voltei para Campo Grande para visitar minha família.”

Ficando no estado Neo fez um teste-drive de alguns dias em julho do ano passado, em Bonito, para ver se era aqui mesmo que ele iria ancorar, e sabia que era uma mudança importante.

“Fui pro rio, tentei ouvir ao máximo minha voz interior e em agosto eu já estava voltando pra ficar. Acredito que o fator principal tenha sido a pandemia: vi que era momento de cuidar da minha saúde mental e ao mesmo tempo focar no meu trabalho”, conta.

Neo  ficou boa parte do tempo em São Paulo e ensaiou junto com seu namorado uma tentativa de ir pra New Haven, em Connecticut, onde ele mora atualmente. “Vimos que ainda não era o momento. Parece que tinha uma etapa por aqui para viver primeiro e manter o relacionamento por ponte aérea me soa uma boa aventura”, diz.

Neo mora numa casa contêiner, cercada de muito verde, presença de bichos, o que possibilita a observação no dia a dia. (Foto: Fernando Peres)
Neo mora numa casa contêiner, cercada de muito verde, presença de bichos, o que possibilita a observação no dia a dia. (Foto: Fernando Peres)

Dessa forma Neo passou a responder muitas perguntas e percebeu que ao longo do tempo as intenções das pessoas mudaram. “No começo era “o que você vai fazer lá, se teus clientes estão em outros lugares?”, como se só fosse possível trabalhar se estivesse num escritório cumprindo horários e disponível presencialmente full time”.

Agora nas perguntas ele percebe que muita gente também tem vontade de abandonar o modelo antigo de trabalho e saber mais informações para apertar o botão do ‘reset’ e testar o modelo de home office. “Pra mim tendo internet já é meio caminho andado e qualquer reunião de emergência que preciso marcar estou há poucas horas de Campo Grande, consigo me programar”, afirma.

Hoje ele mora numa casa contêiner, cercada de muito verde, presença de bichos, o que possibilita a observação deles no dia a dia. “Tem gato, cachorro, galinha, tucano, arara, coelho e até teiú (aquele lagarto mal humorado). Meditar embaixo da árvore que fica quase dentro do meu quarto também me ajuda a perceber melhor minhas emoções e ter consciência das minhas reações, me ajudando muito na tomada de pequenas decisões do dia a dia. Comecei a ter plantas e adoro chamar algumas pessoas pelo nome, como numa comunidade, como por exemplo o André que serve uma garapa com guavira deliciosa aqui perto”.

Após 20 anos em um ritmo intenso de trabalho em São Paulo, Ana reencontrou a calmaria em Bonito. (Foto: Fernando Peres)
Após 20 anos em um ritmo intenso de trabalho em São Paulo, Ana reencontrou a calmaria em Bonito. (Foto: Fernando Peres)

Ana Kreutzer, de 41 anos, também é natural de Campo Grande, e morou os últimos 20 anos na capital paulista.  Desde a infância costumava visitar Bonito, lugar que, segundo ela, “foi paixão à primeira vista”. Mas naquele tempo era uma menina curiosa e desejava viver fora da cidade. “Parece que eu não cabia dentro da capital sul-mato-grossense. Eu queria explorar e viver uma vida mais conectada”, recorda.

Engenheira têxtil, Ana conquistou uma carreira mega consolidada em São Paulo trabalhando em grandes empresas. Mas nunca abandonou a ideia de, em algum momento da vida, morar em Bonito.

“Eu nunca me senti tão em casa como agora. Sempre foi um lugar que me confortou. Esse pensamento virou ideia de vida e decidi voltar para morar no mato. Afinal, eu sabia que não era o fim da linha, mas uma transformação”.

Ana sentia essa vontade quando se viu em meio a um ritmo de vida insano, com carga de trabalho altíssima e em ritmo acelerado. “Uma das coisas que me impulsionaram foi essa sensação de desencaixe. Mas fiz tudo com calma para que a mudança não fosse no auge do estresse como uma fuga, mas sim como uma meta de vida”.

Ana fez uma reserva financeira para a transição da carreira e, naturalmente, em 2019 sentiu que havia chegado a hora. “Me mudei para Campo Grande dois meses antes da pandemia, o que demorou um pouco o processo para me mudar para Bonito. Agora estou aqui há cinco meses”, comemora.

“Eu nunca me senti tão em casa como agora. Aqui sempre foi um lugar que me confortou", diz. (Foto: Fernando Peres)
“Eu nunca me senti tão em casa como agora. Aqui sempre foi um lugar que me confortou", diz. (Foto: Fernando Peres)

A mudança não foi somente de casa ou ar para respirar, Ana também vive um momento de transição profissional, atuando em um novo trabalho, fazendo plano de negócios para um projeto pessoal que tem cunho socioambiental.

“Hoje existe uma outra Ana. O que posso dizer é que a qualidade de vida, saúde e bem-estar não se compara a vida na cidade. Moro numa casa rodeada de verde e conectada com a natureza”.

A dica de Ana é não se perder e manter a disciplina como em qualquer outro lugar. “Ter uma rotina é importante, é algo que me traz estabilidade. Mas a verdade é que eu nunca tive uma energia matinal como agora. Acordo todos os dias às 5h30, contemplo um nascer do sol maravilhoso, tomo meu café com calma e faço natação em meio às piraputangas. É o tipo de coisa que não tem preço”.

Marina trabalha com agrofloresta em fazenda de Maracaju. (Foto: Arquivo Pessoal)
Marina trabalha com agrofloresta em fazenda de Maracaju. (Foto: Arquivo Pessoal)

A veterinária Marina Moraes de Seixas, de 37 anos, não vive em Bonito, mas desfruta de uma calmaria semelhante em uma fazenda localizada a 70 quilômetros de Maracaju. Viver em local mais isolado lhe traz a mesma sensação que Neo e Ana vivenciam, a de que a natureza regenera todos os dias a atenção e proporciona uma conexão mais profunda até com os próprios ideais.

Marina hoje é autônoma, mas sua formação a levou para um projeto de pesquisa sobre ecologia de florestas na Amazônia, ela também se tornou professora de yoga, foi dona de pizzaria vegana e até viveu um tempo na Índia. Quando retornou ao Brasil, ganhou um novo amor, com quem manteve história à distância por pouco tempo. Ele de Mato Grosso do Sul e ela no Rio de janeiro.

Marina é ambientalista e se dedica a projetos agroflorestais. O marido é proprietário e administra uma fazenda que faz parte da família há muitas gerações. No começo, quando a transição dela do Rio de Janeiro para o interior do MS virou uma pauta entre o casal houve resistência da parte dela. “Fui muito resistente a vir para a fazenda porque é de lavoura de soja e milho e aqui existe uma realidade cultural muito diferente da minha”, afirma.

O que uniu ela e a fazenda foi a possibilidade de transformar um pouco a realidade e as atividades da propriedade com projeto que envolvem suas pesquisas.

Marina também sempre quis morar numa cidade pequena. “Morei um tempo no Pará e pude vivenciar isso. Mas estar no Centro-Oeste e numa fazenda distante virou um desafio. Estar essencialmente no campo é difícil como mulher e como pessoa, que vê as atividades ao redor com muita crítica”.

Sua segunda atividade mais importante é a produção de sabonetes artesanais. (Foto: Arquivo Pessoal)
Sua segunda atividade mais importante é a produção de sabonetes artesanais. (Foto: Arquivo Pessoal)

Sem poder atuar com a yoga na fazenda e nem com os alimentos que produzia em outras regiões em que morou, uma terapia virou negócio e também a segunda atividade mais importante que Marina desempenha na fazenda.

“Criei uma marca que é a Maró, que me sustenta financeiramente e emocionalmente no lugar em que estou. Ter uma produção criativa que acontece a partir das minhas mãos foi muito importante. Hoje em dia eu divido o tempo entre a agrofloresta e a produção de sabonetes artesanais. Me sinto feliz”.

Viver no interior, claro, mudou tudo na vida de Marina. “Hoje minha perspectiva é outra. Estudo empreendedorismo e gestão de negócios. Tudo com mais segurança, com mais calma, mas sem deixar de pensar no futuro e na pressa do mundo”.

Além disso, a conexão com a natureza presente na fazenda também é uma transformação diária na rotina.

Quando você está nesse ambiente você se transforma e se abre para uma sensibilidade e percepção muito mais útil do que quando está na cidade, porque a cidade tem milhares de estímulos exagerados. Pra mim é um privilegio estar aqui", encerra.

Teiú, largarto que é quase "amigo" de Neo na região onde mora em Bonito. (Foto: Fernando Peres)
Teiú, largarto que é quase "amigo" de Neo na região onde mora em Bonito. (Foto: Fernando Peres)

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