Amor por necrotério fez Adauto tatuar profissão sinistra na barriga
Técnico em necropsia, ele diz que o necrotério é lugar mais sossegado da Santa Casa
Adauto Correa Lima Junior, de 41 anos, não esconde de ninguém o orgulho que sente pelo que faz. Único técnico em necropsia da Santa Casa, ele fez uma tatuagem para mostrar a todos o quanto ama o necrotério onde trabalha há 10 anos. Mesmo lidando com a morte diariamente, ele segue mantendo o humor e exercendo o lado humano com os parentes daqueles que partiram.
A profissão de Adauto é motivo de curiosidade, espanto e suposição por parte de muitas pessoas. Por essas e outras razões, ele se destaca assim que diz trabalhar com ‘defuntos’. Acostumado a ouvir centenas de perguntas, o técnico responde todas sem perder o jeito brincalhão.
O profissional conta que, às vezes, as perguntas sobram para a esposa Angela Daniel, de 44 anos. “Quando eu chego, se estamos em família ou amigos, falam: ‘O quê você faz?’. Eu falo que trabalho com defunto e que faço necropsia. Aí já vira aquela cena, falam: ‘Como é isso? Você vê assombração?’ Aí perguntam pra ela: ‘Você tem coragem de dormir com esse cara?”, relata.
Adauto atuou como enfermeiro de 2005 a 2015 e dividia essa função com a de técnico em necropsia. No final, ele decidiu seguir somente na área que é motivo de fascinação. “É por gostar da anatomia humana e por ter esse fascínio de como o corpo humano funciona. Como um corte, infecção e uma coisinha besta pode te matar e como essas coisas estão ligadas”, explica.
Na época que descobriu a profissão, Adauto fez o curso e, querendo ter mais experiência, topou o estágio voluntário no IML (Instituto Médico Legal) da cidade. Ele expõe que no começo foi difícil se acostumar. “Teve aquele impacto, porque eu vinha da enfermagem e estava acostumado a ouvir paciente chorar e gritar”, fala. Naquela nova realidade dele, as reclamações de dor foram substituídas pelo silêncio e frieza de quem estava na mesa.
Do IML, o técnico seguiu para a Santa Casa onde viu muitas tentarem percorrer o mesmo caminho que ele. “Abriu processo seletivo, pessoas entraram e saíram. Começaram a fazer prova e não aguentaram. As pessoas diziam: ‘Eu vou ter que ficar sozinha na sala com o morto?’. Eu eu dizia: ‘Sim, é o que eu faço”, recorda.
Como Adauto só faz necropsias ligadas à doença, ele já presenciou muitos casos atípicos. Um deles completou três anos e é a história de uma mulher que deu entrada no hospital sentindo dores no peito. Na ocasião, o quadro foi tratado a princípio como pneumonia, porém exames descartaram a hipótese.
Após ela vir a óbito, o técnico em necropsia conseguiu definir a causa da morte e ficou surpreso quando descobriu. “Depois de uma semana, ela morreu e eu abri ela. Conversando com um colega, falamos de olhar o fígado. Quando levantamos tinha uma bolha, criou um cisto. Ela morreu de choque hipovolêmico que é a perda de sangue excessivo. É uma coisa raríssima”, declara.
Em relação ao caso mais difícil, ele menciona a de uma criança que faleceu com menos de cinco anos. “Conversando com os pais, avós e amigos descobri que os dois não podiam ter filhos. Eles se trataram por dez anos e era o primeiro filho deles. Se eu chegasse lá e não visse a família nem nada era mais tranquilo”, afirma.
Por mais que o contato com os enlutados cobre um preço, Adauto destaca que prefere assim. A interação com essas pessoas, conforme ele, é a forma que encontrou de não levar a profissão com frieza. “Eu gosto de ter esse contato para não se tornar essa coisa fria e mecânica”, frisa.
Como não pode fazer nada por quem atravessou a porta do necrotério, Adauto diz que faz o que está ao seu alcance para auxiliar quem sofre com a perda. “Todo mundo tem uma reação e eu respeito cada uma. Você está ali e não pode fazer nada, acabou, a pessoa está morta. Eu não consigo ajudar nessa parte, mas posso ser extremamente educado, prestativo e orientar a pessoa. É a única coisa que posso oferecer”, destaca.
No necrotério, ele fala que a rotina é sempre a mesma. “Meu trabalho é o dia inteiro gente chorando e gente morta”, afirma. Por isso, Adauto já viu de tudo, porém jura que jamais algo sobrenatural. “Nunca, nada, nem um soprinho no ouvido, ventinho gelado ou barulho. Pra mim, o lugar mais tranquilo do hospital é o necrotério”, declara.
"Morgue" - O orgulho profissional é tão grande que Adauto quis deixar isso eternizado. Há 10 anos, que é o mesmo tempo que atua como técnico em necropsia, ele fez uma tatuagem emblemática. Escrita em inglês, a frase ‘Morgue’ significa necrotério.
A inspiração para o desenho veio de um lugar inusitado e nada mórbido. Ele comenta que tudo começou quando assistia a animação ‘Pica-Pau’. No episódio, a frase apareceu para, posteriormente, ir parar na barriga de Adauto. “Eu tinha vontade de fazer uma escrita na barriga. Assistindo o desenho mostrou o Zeca Urubu morto e o Pica-Pau empurrando. Onde ele entrou estava escrito morgue”, recorda.
Mesmo lidando com a morte de forma constante, Adauto garante que consegue deixar tudo no trabalho e levar uma vida comum. “As pessoas tem que entender que eu sou um ser humano normal. Eu gosto de tomar minha cerveja, tenho minha esposa, sou motociclista e faço parte de um motoclube. Eu gosto de viajar e de churrasco. A minha profissão é sinistra, mas eu sou uma pessoa normal”, conclui.
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