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Comportamento

Bicicleta é o que ficou de Chiquinho, “carteiro padrão” da década de 50

Filho do carteiro resolveu mexer na bicicleta após 19 anos, para matar a saudade do pai e passear com a netinha

Thailla Torres | 20/05/2020 06:25
Filho resolveu mexer na bicicleta após 19 anos. (Foto: Paulo Francis)
Filho resolveu mexer na bicicleta após 19 anos. (Foto: Paulo Francis)

De um quartinho da casa na Rua Cândido Mariano, o funcionário público Sidney Spatt Gonçalves, 40 anos, tirou uma bicicleta antiga, considerada velha para muitos e uma joia rara ele. Quem visse a magrela empoeirada até pensaria que ele iria ofertá-la para não acumular o que não usa mais. Mas não. A bicicleta não tem preço. Mesmo após 19 anos guardada.

A bicicleta é herança deixada pelo pai de Sidney, o Chiquinho, que nunca se chamou Francisco. O homem que um dia se aposentou como o carteiro mais antigo de Campo Grande chamava-se Apolinário Gonçalves e tinha orgulho de um dia ter trocado o verde do Exército pelo amarelo dos Correios para entregar, de bicicleta, correspondências pela cidade.

O apelido surgiu de uma família de japoneses que não conseguia lembrar o nome Apolinário, e após entrar nos Correio, ficou conhecido como Chiquinho Carteiro.

Chiquinho sempre guardou recortes e homenagens pelo dia do carteiro. (Foto: Arquivo Pessoal)
Chiquinho sempre guardou recortes e homenagens pelo dia do carteiro. (Foto: Arquivo Pessoal)

Sempre cuidadoso, foi um homem que não só cuidou da bicicleta que ganhou de presente da empresa, como guardou durante a vida diplomas, comprovações de mérito e prêmio de “Carteiro Padrão”, além de recortes de jornais, revistas, fotos e cartas sobre a profissão. Hoje, todo o material é cuidadosamente guardado por Sidney.

Além de carteiro, Chiquinho foi também repórter esportivo e garçom, lembra o filho, que viu o pai trabalhar 35 anos como carteiro no sol, chuva e frio. “Me lembro da paixão dele pela profissão. Na época, as fardas precisavam ser engomadas e ele cuidava com carinho de tudo. Sempre foi muito querido na região onde entregava as correspondências e que por acaso é a rua que sempre morei. Tínhamos uma relação muito boa de pai e filho, apesar de ele ser muito sistemático e as coisas sempre tinham que ser do jeito dele”.

Sidney lembra dos passeios, de coisas simples, como fazer compras no antigo Supermercado Soares e comer pastel no Mercadão no domingo de manhã, do passeio de carro em um fusquinha antigo, de acompanhar o pai no Estádio Morenão quando ele trabalhava na Rádio Educação Rural, de ajudá-lo a dar manutenção na bicicleta quando, mesmo não sabendo fazer nada. “Para mim aquilo era muito importante”.

Esse era o Chiquinho, que já foi o carteiro mais antigo de Campo Grande. (Foto: Arquivo Pessoal)
Esse era o Chiquinho, que já foi o carteiro mais antigo de Campo Grande. (Foto: Arquivo Pessoal)

Lembranças que fizeram o sentimento de Sidney permanecer intacto, mesmo após a morte, quando soube que Chiquinho não era o seu pai biológico. “Não mudou nada o carinho que sentia por ele”.

Chiquinho partiu aos 64 anos, em 2001. Um ano depois, a esposa, dona Carmen, que cuidava da limpeza do Colégio Maria Costança de Barros Machado, no Bairro Amambaí, também se foi. Depois disso Sidney manteve a bicicleta guardada por 19 anos.

“Nunca mais mexemos. Mas sou atleta amador de mountain bike e tenho uma netinha de um ano e pouco. Na minha bicicleta não dá para colocar a cadeirinha para passear com ela, foi por esse motivo que após esse anos resolvi mexer na bicicleta dele, foi uma sensação diferente, na hora me veio todas as lembranças da minha infância e adolescência, e claro, junto daquele nó na garganta”.

O carinho de Chiquinho é o que faz a bicicleta nunca estar à venda. “Ele tinha um carinho e cuidado especial por essa bicicleta, todo domingo limpava, engraxava e regulava. Por isso, nunca quis vender ou doar”.

No momento em que foi limpar a bicicleta, Sidney disse que não segurou a emoção. “Ela estava do mesmo jeito que ele havia deixado antes da sua morte”.

Andando sobre duas rodas pelo bairro Amambaí, o filho reflete sobre os valores deixados por Chiquinho e sua mãe. “Ficou o caráter de um homem trabalhador e comprometido. Me lembro de uma frase que ele dizia “sempre um passo de cada vez”, e levo isso para a vida. Essa paixão pelo ciclismo que tenho hoje tenho certeza que é uma herança dele. E ao lado da minha mãe, me ensinaram que não é preciso ter muito e sim o necessário para ser uma pessoa feliz”.

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Andando sobre duas rodas pelo bairro Amambaí, o filho reflete sobre os valores deixados por Chiquinho e sua mãe. (Foto: Paulo Francis)
Andando sobre duas rodas pelo bairro Amambaí, o filho reflete sobre os valores deixados por Chiquinho e sua mãe. (Foto: Paulo Francis)


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