Candomblé quebra protocolo com vozes indígenas contra o racismo
Em meio à evocação dos orixás, terreiro recebeu as famosas Sônia Guajajara e Celia Xakriabá
Aproveitando a visita de lideranças indígenas e políticas para a 14ª Assembleia Terena, que neste ano, será realizada em Miranda, o terreiro de candomblé Izo Malembá localizado no Bairro Jardim Inápolis, em Campo Grande, abriu as portas na noite desta terça-feira (16), para um ato religioso e político com a presença de fiéis de religiões de matrizes africanas, indígenas e até freis católicos.
O momento que foi chamado de Kimzomba da Resistência Negra e Indígena foi uma noite de festividade, reflexão e troca de energias para uma luta que é de todos: a luta contra o racismo.
O ato que antecede as ações da semana do Dia da Consciência Negra é um passo significativo tanto para a luta dos povos negros quanto para os povos indígenas, explica o advogado indígena e babalorixá do terreiro, Luiz Eloy Terena.
“O Candomblé é uma religião que acolhe, não existe erro e nem pecado, e um dos nossos fundamentos é a nossa ancestralidade, que possuem forças compatíveis à ancestralidade indígena”, explica o advogado.
Mãe-pequena da casa, considerada a segunda pessoa mais importante em um terreiro de Candomblé depois do babalorixá, Naiara Fonteles explicou a presença dos indígenas dentro do terreiro.
“É válido lembrar que o Candomblé de Angola exalta a cultura do povo preto, mas, sobretudo, quando chega ao Brasil, ele reconhece a ancestralidade nativa indígena. Por isso, esse é um momento muito importante, um momento de estarmos exaltando a nossa ancestralidade e a divindade de todos”.
Embora tivesse espaço para o ato político, a noite não foi de muitos discursos. Falas curtas, mas grandiosas pela sua importância foram suficientes para emocionar fiéis, moradores do bairro e convidados. Uma das presenças ilustres da noite foi a líder indígena Sônia Guajajara, que novamente, topou o convite para participar da Assembleia Terena em Mato Grosso do Sul.
“Estar aqui é como se sentir em casa, virou uma tradição. Essa é uma luta de todos, é uma luta que se soma. A gente tem falado que podemos acabar com o fascismo, mas o racismo é mais difícil, porque o racismo está impregnado nas pessoas, que às vezes, até quando querem elogiar, ofendem. Estamos numa luta não só para impedir o racismo, como para sermos todos antirracistas em todos os momentos e em todos os lugares”, destacou a líder indígenas, uma das coordenadoras da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).
Quem também expressou a emoção de fazer parte do ato foi a professora ativista do povo Xakriabá em Minas Gerais, Célia Xakriabá.
“Mato Grosso do Sul é o lugar de violência histórica, mas a nossa voz é a prova de bala. A arma de fogo nunca significou que nós estamos desarmados, isso é o que significa nossas trocas e nossas vozes terem chegado até aqui”, disse emocionada.
Para Célia, em tempos tão sombrios, é necessário se alimentar de arte e poesia. Por isso, usando do próprio talento, ela encerrou os minutos de fala fazendo melodia. A noite seguiu com músicas, danças e roda do Candomblé, que cultuou os 16 orixás, de Exu a Oxalá. Veja abaixo a melodia de Célia:
Na invasão desse país nós fomos vítimas
Eu nem sei se chamo de Brasil ou se chamo Pindorama
Foram muitas lutas e muitas dores que ficou gravado na memória
Seja negro ou mulher indígena é protagonista nessa história
Muita gente se pergunta como faz para ser indígena ou negro
São perguntas agressivas pra se assumir
Ser negro indígena é ter cultura, beleza e identidade
Mas é ter o pertencimento a herança da ancestralidade
Mataram muitas línguas imposta por forasteiros
Nesse plano de emboscada do privilégio estrangeiro
Lá em Brasília eu vi negro violentado e direito ser sequestrado
....
Mesmo tentando pintar Mato Grosso do Sul de cinza
Nós permanecemos para colorir
Porque não podemos desbotar peles e almas coloridas
Assim como não podemos apagar nossas histórias já vividas"
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