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Comportamento

Com 99 anos, Elida já matou cobra 'na bala' e não tem medo da morte

Crochê e casa cheia são razão de aposentada manter a saúde e pensar em um futuro rodeada de familiares

Por Natália Olliver | 08/01/2025 06:25
Com 99 anos, Elida já matou cobra 'na bala' e não tem medo da morte
Elida Vieira Mariano no cantinho do crochê, em sua casa (Foto: Henrique Kawaminami)

Quem olha as mãos finas, olhos profundos e risada larga não imagina o que Elida Vieira Mariano já viveu nos quase 100 anos de trajetória. Na cadeira usada para fazer crochê, o passado se ilumina como a luz que ela ganhou para enxergar melhor os pontos. Embarco nessa lembrança onde a “brabeza” de uma mulher da roça venceu até sucuri no porrete e caninana na bala. Apesar das perdas no caminho dos 99 anos, a morte não é algo que ela teme.

A casa cheia de netos e filhos é a razão da aposentada manter a saúde para poder contar essa história, diz ela. Natural de um distrito próximo de Amambai, a 354 quilômetros de Campo Grande, a ex-auxiliar de serviços gerais do Detran do município narra momentos que marcaram a vida ao longo dos anos, como a morte do marido, de 2 dos 8 filhos e a vida no interior. Ansiosa para se tornar centenária, ela deixa que as memórias surjam à mente e destaca a surpresa em ainda estar viva.

“Eu não esperava chegar a essa idade, mas agora estou vendo que de certo vou chegar. A minha vida foi boa. Não tenho medo da morte. Não penso nisso. O dia que chegar, chegou. Eu sei que vou, mas quando […]. Quero fazer muita coisa, sempre estar com os meus filhos, eu quero isso, minha família”.

Filha de sulistas, Elida já viu disputa por terra quando criança, morte na propriedade e precisou se refugiar no Paraguai com a família em 1930. Entre as memórias, faz questão de falar sobre a vez em que matou uma cobra caninana 'na bala' por necessidade.

Com 99 anos, Elida já matou cobra 'na bala' e não tem medo da morte
Ela relembra o passado com fotos e mostra o como usa a luminária que ganhou (Foto: Henrique Kawaminami)
Com 99 anos, Elida já matou cobra 'na bala' e não tem medo da morte

A gente morava na fazenda e lá tinha muita cobra, nunca me escapou uma. Uma vez chegamos da fonte, eu estava lavando roupa e mandei meu filho fazer o mate. Quando ele foi tirar a erva da cuia lá o terreiro, ele falou ‘mamãe, é uma cobra’ e eu falei ‘credo’. Fui ver era galinha, pato peru tudo em volta da cobra, a cabeça tava para cima. Era caninana preta. Dizem que não pega ninguém mas ela corre atrás da gente. Ela subiu na laranjeira e eu mandei as crianças para casa da minha irmã”, conta Elida.

O marido, José Ramão Mariano - para ela e os filhos, Tito - deixou a arma na propriedade. O filho lembrou disso, buscou o revólver e deu para mãe, que acertou em cheio. Outra vez ela se assustou com uma cobra enorme no meio da estrada que separava a casa onde morava do vizinho.

“Eu estava grávida de uma das crianças e estávamos eu e meu cunhado de carreta, fomos no vizinho. Aí apareceu uma na estrada, ele puxou o cabresto e falei pra ele pegar a picana para matar, ele não conseguiu e eu fui".

Com 99 anos, Elida já matou cobra 'na bala' e não tem medo da morte
Elida ao lado de valentina, cachorra que virou xodó (Foto: Arquivo pessoal)

Falando no marido, Élida vê o passado por fotografias e ri, ao mesmo tempo, os olhos respondem úmidos. Os dois cresceram juntos e, quando jovem, Tito insistiu muito para que o romance começasse. Élida enrolou o quanto pôde, mas cedeu. Para espanto dela, a união durou anos. Além da surpresa da longevidade do casamento que rendeu a ela 8 filhos, 16 netos e 20 bisnetos, a morte de Tito também pegou ela no susto.

“Era domingo e a gente almoçou, chegou minha madrinha e falando com Tito sobre o irmão dele. Ele disse ‘nasci aqui [Amambai], me criei aqui e morrerei aqui’. Dei um tapa na perna dele e ele falou ‘não, porque eu estou preparado, posso morrer amanhã’”. O que ela não contava era que, de fato, a morte chegaria no dia seguinte.

Com 99 anos, Elida já matou cobra 'na bala' e não tem medo da morte
José Ramão Mariano (Tito) e Elida com um dos filhos (Foto: Arquivo pessoal)

Na segunda-feira, o casal batizou o primeiro neto. Após a cerimônia, Tito começou a passar mal e eles foram embora da festa. Ao chegar em casa, Élida pediu ajuda a vizinhos e conhecidos para que levassem o marido para o hospital.

“Disse que estava com dor na barriga. Aí correram com ele de hospital em hospital e ele morreu, não tinha médico nos lugares. Foi uma surpresa das maiores. Falei para vida:‘ 'gente, olha, ele falou que podia ir, por que? A gente tinha uma vida boa, com todos filhos trabalhando”.

Ela limpa os olhos e muda de assunto, conta como sempre gostou de crochê e que aprendeu tudo o que sabe sozinha, na força de vontade, como ela afirma. Os primeiros pontos foram dados quando era ainda criança, na roça. A mãe não gostava que Elida perdesse tempo com essas coisas, enquanto ela contava com a ajuda da filha para fazer as inúmeras funções domésticas e serviços no campo.

“Mamãe ficava brava por ela largar o trabalho na roça para fazer. Aprendi a fazer na força de vontade, mamãe fazia, mas ela não tinha tempo com a 'fiarada'. Eu era guria e minha cunhada iria ganhar bebê e pensei em fazer algo, peguei as linhas da máquina da mãe e fiz uma toquinha escondida. Desde que me aposentei continuei fazendo. Trabalhei muito na roça, era plantar, colher, ajudar meu pai”.

Família é remédio de Élida para se manter lúcida e saudável

A filha mais nova, Adeide Mariano acrescenta que para mãe é fundamental que ela esteja com a família e que a vontade é de que todos morrem juntos.

Com 99 anos, Elida já matou cobra 'na bala' e não tem medo da morte
Se reunir com a família é orgulho e remédio para longividade da aposentada (Foto: Henrique Kawaminami)

"Ela precisa. Todo dia é sagrado a gente tomar chimarrão com ela. Ela tem autonomia, mas é assistida por nós, não tem nenhum problema de saúde. Inclusive, sempre gostou de festa. Dia 12 de setembro ela faz 100 anos e, quando fez 99, já estava pensando na festa do próximo ano. O que mantém a mamãe tão bem é o bom humor e a família reunida”.

Adeide acrescenta que a mãe nunca se casou ou teve outro homem após a morte de Tito e que o pai era um eterno apaixonado por ela. “Ele queria que ela ficasse deitada e trazia o mate para ela, queria ela bem cuidada, com unha feita e tudo. Era totalmente doido por mamãe”.

Bom humor 

Com 99 anos, Elida já matou cobra 'na bala' e não tem medo da morte
Com 99 anos, Elida já matou cobra 'na bala' e não tem medo da morte
Élida em momentos de descontração registrados pela família (Foto: Arquivo pessoal)

Além das tristezas, Élida acha que a vida foi boa com ela e pensa que os próximos anos também serão. Bem humorada, esbanja simpatia nos registros guardados pela filha e por netos. Momentos em que alguns dos 99 anos de Elida aparecem em forma de fotografias.

E, com tanto bom humor e alegria de viver, as metas seguem com a quase centenária: festar neste ano com os 100 anos e, depois, já planejar a comemoração de 2026.

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