ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
NOVEMBRO, SÁBADO  16    CAMPO GRANDE 31º

Comportamento

"Condenada" com o filho, Eleuzina escreve carta quase todo dia pela liberdade

Thailla Torres | 10/05/2020 08:45
Enquanto filho está preso, outra condenação recai sobre a mãe. (Foto: Henrique Kawaminami)
Enquanto filho está preso, outra condenação recai sobre a mãe. (Foto: Henrique Kawaminami)

Enquanto o filho caçula está preso à espera de mais uma sentença, a condenação e o desprezo recaem sobre a bibliotecária Eleuzina Crisanto, de 48 anos. Seu maior sofrimento é o fato de o filho estar preso há nove meses sem julgamento. Junto ao peito, ela carrega a dor de não o abraçar neste domingo de Dia das Mães. Em casa,  escreve cartas dia sim, dia não, para enviar ao judiciário com um único pedido: “Julga o meu filho!”.

Hugo Vinicius Crisanto de Lima, de 25 anos, é acusado de furto e tráfico de drogas e está preso no Instituto Penal de Campo Grande. A mãe conversou com a equipe do Campo Grande News e afirmou que o filho estava na Gameleira por furto, quando transferido para o regime fechado após ser flagrado com droga na cela. Ela alega que a substância encontrada não era do filho e que ele nunca participou do tráfico de drogas.

Com histórico de dependência química desde os 14 anos, Hugo já foi preso seis vezes, segundo a mãe. Ela rejeita a condição de traficante para o filho. “Eu quero que a justiça analise o processo, e veja que meu filho realmente é inocente”, fala.

Mãe escreve carta dia sim, dia não, pedindo liberdade do filho. (Foto: Henrique Kawaminami)
Mãe escreve carta dia sim, dia não, pedindo liberdade do filho. (Foto: Henrique Kawaminami)

Desde a transferência de Hugo para o regime fechado, Eleuzina não cansa de escrever cartas. “É o único jeito de chegar perto do juíz ou da juíza. Eu mando endereçada ao fórum. Eu vi isso em um filme. Os funcionários dos Correios já me conhecem”, explica.

Além da incerteza sobre o futuro de Hugo, a dor de Eleuzina está em ser condicionada como “mãe de bandido”. Condenada pela sociedade e pela própria família, durante muito tempo ela diz ter sofrido procurando algum erro que justificasse a conduta do filho, mas desistiu de se culpar e passou a lutar por ele.

“A sociedade atribui os erros dos filhos às mães. Meu coração está preso junto com ele e meu corpo está aqui fora pagando a condenação com a sociedade. Eu já perdi muita oportunidade fora do trabalho quando viram que eu tenho um filho preso. Ser mãe de preso é, muitas vezes, ter que manter um filho invisível, mas eu não faço isso”.

O desgaste emocional é visível nas lágrimas da mãe, mas ela dificilmente se deixa levar pelo cansaço. Antes da pandemia provocar a proibição de visitas, Eleuzina nunca deixou de ir ao presídio. A ida aos domingos fazia parte da rotina, mesmo com a tristeza de enfrentar a fila, a conferência e a constrangedora revista. “É triste. Ainda temos que tirar toda a roupa e sentar em um banquinho. Algumas mulheres, idosas ou obesas, caem, e precisam de ajuda para se levantar. É muito constrangedor”, conta.

Sem nunca chegar ao presídio de mão e coração vazios, Eleuzina se tornou durante as visitas uma “assistente social” para os colegas de cela do filho. “Sempre levo o que ele precisa. Almoço junto com ele e os outros detentos, por isso, temos muitas histórias. Uma delas é que já ajudei outros presos a escreverem cartas de amor ou cartas de saudade para as mães. Como entendo melhor os processos, já ajudei todos os meninos da cela a compreenderem seus casos. Coisa que só um coração de mãe é capaz de fazer”, diz.

Orgulhosa, ela mostra a foto de filho que olha todos os dias. (Foto: Henrique Kawaminami)
Orgulhosa, ela mostra a foto de filho que olha todos os dias. (Foto: Henrique Kawaminami)

A resistência de Eleuzina é antiga, um dos maiores motivos de reclamação da família e pessoas próximas.

“Todos falam pra eu largar mão. Que ele não tem mais jeito. Mas amor de mãe não tem fim. O filho pode fazer o que for, esse amor só aumenta”.

Batalha de uma vida - O vício em drogas levou o filho caçula para o cárcere cedo, lembra. “Aos 14 anos ele começou a usar. Foi direto para a pasta base. Sempre falo que a mãe é a última a saber, e só percebi quando começou a sumir dinheiro de casa. Quando descobri ele me dizia que sairia dessa quando quisesse, mas não foi assim que aconteceu”.

À época, com 15 anos, o menino passou pela Unidade de Internação Dom Bosco, na saída para Três Lagoas, após furtar pela primeira vez para usar drogas, segundo a mãe. “Quando saiu, ele voltou para vício”.

As recaídas já fizeram Eleuzina peregrinar pela cidade em busca do filho que, às vezes, passava oito dias desaparecido. “Eu o encontrava embaixo das pontes. Eu andava atrás dele à noite inteira com casaco na mão para entregar a ele. Quando ele sumia durante oito dias eu caminhava nas ruas com a foto dele. Já cheguei a receber meu salário e oferecer inteiro para quem o encontrasse. Foram momentos difíceis”.

Os casos de furtos e o vício só tiveram intervalo em 2016 quando Hugo sofreu um acidente de trânsito. “Ele foi atropelado e ficou sem andar. Cuidei dele todos os dias. Finalmente acreditei que ele estava curado, mas quando voltou a andar procurou as drogas”.

Atualmente, ela se preocupa porque o filho tem a mobilidade reduzida, reflexo do acidente sofrido, por isso, luta para que ele consiga sair da cadeia logo. “Ele tem uma deficiência na lombar, e se ele não fizer fisioterapia, ele pode perder o movimento que ainda tem”, se preocupa.

Em casa, mostra orgulhosa as fotos no celular e a carta escrita para ser enviada na próxima segunda-feira, 11 de maio. “Ouvir o tempo todo que seu filho é bandido é muito cruel, mas eu não desisto. Ele errou em furtar, tem que pagar. Eu só acredito que, quando ele sair de lá, ele vai conseguir se curar. E eu vou estar ao lado dele até o último dia da minha vida”, finaliza.

Carta que Eleuzina vai enviar nesta segunda-feira. (Foto: Henrique Kawaminami)
Carta que Eleuzina vai enviar nesta segunda-feira. (Foto: Henrique Kawaminami)

Nos siga no Google Notícias