Criança é resiliência na periferia, onde só campo dá direito de brincar
Crianças aproveitam um dia de doações para mostrar que no resto do ano é preciso muita resiliência
Em alguns pontos da periferia, onde índice de pobreza supera qualquer outra característica, crianças só brinca porque a infância é um ato de resiliência. Tem criança que apanha, fica de castigo, não come, não tem roupa e nem casa, mas segue sendo criança, brincando com o que vê pela frente.
É claro que esse direito de brincar é muito maior que um brinquedo na mão, mas eles seguem firmes brincando com os restos ou no mundo da imaginação. Ontem (12), Dia das Crianças, muitos aproveitaram um dia de doações para brincar à vontade. Mas é só olhar em volta para entender que a realidade no resto do ano é bem diferente e resiliência deveria ser o sobrenome de muita criança por ali.
Moradores fariam o mesmo movimento na Comunidade do Mandela se não fosse o Dia das Crianças. Após 20 minutos, chegou a caminhonete com a carroceria cheia de brinquedos em embrulhos coloridos. A chegada do veículo atraiu crianças que saíram de diferentes cantos movidas pela expectativa de pegar um ou mais presentes.
Conforme os brinquedos eram descarregados e empilhados na mesa de madeira, as crianças formavam uma fila indiana na calçada. Em questão de minutos, mais de 20 estavam ali acompanhadas pela mãe, tia ou na companhia dos irmãos e amigos.
Luiz Fernando, de 24 anos, idealizou a entrega de brinquedos com outros voluntários. O empresário levou cerca de 300 brinquedos e diversos pacotes de arroz para entregar no dia 12 de outubro. Ele conta que é a primeira vez que realiza ação social na Comunidade do Mandela especialmente para o Dia das Crianças.
“Aqui na região é, mas a gente faz ali na Cidade de Deus há mais um ano e meio que estávamos fazendo. Estávamos passando por aqui e notamos que tem bastante criança, então resolvemos trazer pra cá. Trouxemos carrinho de pipoca, algodão doce. É gratificante deixar as crianças com sorriso no rosto”, fala.
Sorrisos não faltaram na hora que os primeiros presentes chegaram às mãos dos pequenos. Alguns desembrulhavam o pacote de imediato, outros iam para a rua ver o que as embalagens coloridas guardavam. Na fila, um menino pergunta se tem bola e pede para guardarem uma para ele. “Eu quero para jogar no campinho que tem ali atrás”, diz. Alguém diz que as bolas acabaram, o menino fica frustrado por alguns segundos, mas depois sai correndo com a bola em mãos dada por um voluntário.
Apesar da agitação, a distribuição seguiu de forma ordenada com um presente entregue por vez aos meninos e meninas. Próximo à mesa, dois garotos abriram os presentes e viram juntos o que ganharam. Alifer, de 11 anos, ganhou um pacote cheio de mini skates e um par de patins. Quando Agatha, de 9 anos, viu, perguntou: ‘Será que tem mais skate de dedo também?’.
Ela também conseguiu um e com Alifer mostrou algumas das manobras que dá para fazer com o skate. Na animação, as vozes deles viraram uma só junto ao som que o brinquedo fazia na mesa de plástico. “Esse aqui é o flip, ollie não dá pra fazer”, conta o menino. Além de brincar de skate, ele também gosta de jogar bola.
Morando na Comunidade do Mandela há sete anos, Lauana Taina, de 24 anos, é mãe do Yago, de 2 anos. Com a boca colorida pelo verde deixado por algum doce, o menino mostra nas mãos a idade que tem. Sentado na mesa, ele estava prestes a tomar um tereré quando questionei Lauana sobre a existência de lugares para brincar. Yago foi o primeiro a responder a pergunta. “Não”, declarou o pequeno em alto e bom tom.
Apesar de não ter nenhum parquinho nas redondezas, ele fala que brinca no pula-pula. O brinquedo foi montado pelos voluntários especialmente na quinta-feira, mas em outros dias da semana o menino explica como brinca. “Na varanda, de bola, com a minha mãe”, fala.
A mãe dele relata que quando não está no serviço dá um jeito de entreter o menino e inventar brincadeiras. “Tem que brincar. Ele vai para a creche e eu trabalho, mas quando estamos em casa tem um tapete, um espaço e ele brinca na varanda. Meus sobrinhos moram no fundo também”, comenta.
O campinho que fica atrás da rua, segundo Lauana, é onde a criançada brinca. O campo é a diversão dos mais de 100 meninos e meninas que moram na Comunidade do Mandela. Depois da conversa, ela e Yago vão ocupar um lugar na fila para garantir o presente da vez.
Na volta, ele mostra a pistola d’água que ganhou. Já as sobrinhas de Lauana receberam um kit de maquiagem da Frozen, um jogo de brinquedos no formato de utensílios de cozinha e um quadro magnético para desenhar.
Quem também ganhou maquiagem da Frozen foi a Nathaly, de 4 anos. Vestida como a princesa, ela também fez questão de mostrar o presente da irmã Lindalva Helena, de 8 anos. Com o jogo de utensílios em mãos, Lindalva estava feliz. “Eu vou brincar bastante”, afirma.
A mãe Valquíria da Silva, de 33 anos, acompanhava as meninas. Moradora da comunidade, ela diz que a ação de entrega de presentes possibilita algo que muitas crianças não têm. “Eu acho uma oportunidade boa para elas porque tem muita criança que não tem brinquedo para brincar”, diz.
Neste ano, Valquíria comenta que a caçula ficou um tempo internada devido a um quadro de pneumonia. “Quase fiquei sem ela, fiquei uma semana com ela internada, mas graças a Deus está aí. Tendo saúde tá bom, né?!”, indaga.
As três foram juntas em direção ao ponto onde foi montado o pula-pula. Nessa altura, Nataly já estava brincando de passar maquiagem nos olhos, enquanto a irmã ajudava. “Ela sabe fazer direitinho”, afirma Valquíria. Outras crianças também brincavam no local, pegavam pipocas e algodão-doce com um voluntário.
O 12 de outubro foi de muita diversão para quem encontra um jeito de se divertir com ou sem brinquedo nos demais dias do ano.
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