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Comportamento

Djamila Ribeiro gosta de falar em estados conservadores como MS

Filósofa veio a Campo Grande pela 1ª vez para noite de autógrafos e palestra para a Defensoria Pública

Aletheya Alves | 14/09/2023 06:24
Djamila Ribeiro veio a Campo Grande pela 1ª vez a convite da Defensoria Pública de MS. (Foto: Juliano Almeida)
Djamila Ribeiro veio a Campo Grande pela 1ª vez a convite da Defensoria Pública de MS. (Foto: Juliano Almeida)

Pela primeira vez em Campo Grande, a filósofa, professora e escritora Djamila Ribeiro destacou ao Lado B que faz questão de ir até estados conservadores como Mato Grosso do Sul. Convidada pela Defensoria Pública de MS, a autora, que é referência em assuntos como luta antirracista e feminismo interseccional, contou ao Campo Grande News sobre seu quarto livro, a importância do letramento antirracista e de se conectar com pessoas que estão lutando pelas transformações.

Tendo vindo para Mato Grosso do Sul em 2019, Djamila conheceu apenas Bonito durante sua participação na Feira do Livro. Já sabendo do histórico de o Estado ser ligado ao posicionamento político de direita, pautas vinculadas ao agronegócio e marginalização das populações indígenas, ela narra que justamente por isso quis retornar.

“Eu sabia não só de Campo Grande, mas do Estado como um todo ser mais conservador. A gente sabe, mas é justamente por isso que acho importante estar nesses lugares. Já fui a outras cidades do Brasil que eram conservadores e acho importante a gente estar ali porque, também, se fixamos as cidades nesse lugar [de conservadorismo], esquecemos que há resistência, pessoas que estão fazendo movimentos importantes”, detalha a filósofa.

Ainda nesse sentido, Djamila comenta que vê importância em se conectar com as pessoas que estão lutando por transformações justamente nesses locais.

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Há também muitas pessoas que sequer estão participando dessas conversas, estão vivendo a vida delas e é importante estar nesses lugares para fortalecer o espaço de quem acredita nas transformações. É importante mostrar que a gente não está sozinho", defende Djamila.

Preocupada com a divulgação desses temas, a professora defende que o letramento racial precisa continuar em um local de destaque. “A gente olha para o histórico do nosso país e ele foi feito para manter as populações negras e indígenas à margem, isso foi um projeto de Brasil”, diz.

De acordo com a autora, nascer nesse contexto implica que o trabalho seja de tentar modificar as estruturas, sempre observando o que já ocorreu. “Não podemos perder de vista a perspectiva histórica. Se a gente olhar que na época da escravidão existiram quilombos e muita resistência, nós vemos que houve avanços, que existiram mudanças”.

Na prática, Djamila comenta que ela integra uma geração que teve acesso a políticas públicas e que isso afetou diretamente em sua vida. “Eu estudei em uma universidade pública, mas é inegável que a estrutura foi feita para dar errado. O que eu penso é que a gente precisa continuar lutando para mudar, porque se você desiste, perde a perspectiva histórica, não trabalha para as próximas gerações”, comenta.

Ainda assim, ela comenta que também é necessário compreender que o racismo não leva em conta critérios como dinheiro ou popularidade. Pensando no caso de Vini Jr., jogador do Real Madrid vítima de ataques e insultos frequentes há anos, ela resume que “independente de fama e de dinheiro, o racismo é estrutural. As pessoas vão se incomodar quando pessoas negras saem dos lugares que a sociedade acredita que são para elas”.

Ancestralidade: “Cartas para minha Avó”

Sobre a obra lançada em 2021 pela Companhia das Letras, “Cartas para minha Avó”, Djamila explica que retoma a relação com sua avó e sua mãe pensando sobre a importância da ancestralidade. Nesse sentido, sobre o contexto geral, a autora defende que essa ancestralidade gera discussões tanto sobre como a história não costuma ser valorizada no Brasil quanto garante um local para buscar por esperança.

“A ancestralidade tem um papel fundamental e no nosso país, infelizmente, não há um respeito à memória. Até por isso, para mim, foi muito importante falar sobre minha história com minha avó e com minha mãe. Isso elabora vários pontos, faz a gente ter a dimensão no sentido de curar muitas feridas nossas”, diz Djamila.

Contextualizando, a professora exemplifica como o Brasil ter sido o último das Américas a abolir a escravidão e ter destruído todos os documentos referentes gera consequências identitárias. “Faz com que eu não saiba se meus ancestrais vieram da Nigéria ou da Guiné Bissau. A gente está em um país que teve décadas de ditadura e nunca puniu um torturador. Quando a gente não sabe da nossa história, corremos muito mais o risco de repeti-la”.

Para a autora, o Brasil ainda precisa evoluir muito na valorização da memória, o que contribui para que as desigualdades continuem sendo estruturadas. “Faz, também, com que as pessoas acreditem que basta querer, porque não entendem que as pessoas partem de lugares diferentes de desigualdade”.

Por outro lado, ela detalha que a ancestralidade também traz um fortalecimento enquanto povo. “De a gente ter orgulho de quem a gente é, de não duvidar e se conectar com nossa cultura, da nossa força ancestral e é fundamental para que a gente continue e não desista perante as dificuldades mesmo quando tudo parece estar perdido. A ancestralidade é um lugar em que a gente volta para renovar nossas esperanças”, pontua.

Programação em Campo Grande

Na quarta-feira (13), Djamila realizou uma noite de autógrafos aberta ao público e gratuita na livraria Leitura para a divulgação do livro “Cartas para minha Avó”. Já nesta quinta-feira (14), a autora fará uma palestra fechada para servidores da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul.

A vinda da autora para Campo Grande é em comemoração aos 10 anos de criação da Escola Superior da Defensoria Pública de MS. E, comentando sobre sua relação com o órgão, Djamila explicou que a troca com os profissionais também é necessária.

“A Defensoria lida com públicos muitas vezes muito vulnerabilizados, então, acho que é importante termos essa troca com os próprios defensores e fazermos um trabalho de sensibilização. Precisamos explicar que, para além do Direito, muitas vezes essas pessoas estudam anos para concurso e não se preocupam com outras visões, outras leituras e disciplinas como Filosofia e Sociologia. É algo fundamental para esses profissionais que estão lidando todos os dias com essas pessoas e tendo um trabalho que afeta diretamente a população.”

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