Em Campo Grande, todo jornalista já falou sobre o Centro de Belas Artes
Que atire a primeira caneta o jornalista que nunca falou sobre o Belas Artes e que espectador nunca leu sobre essa "lenda urbana"
Era tarde de sexta-feira, 26 de outubro de 2007. Um grupo de cerca de 30 pessoas chega esperançoso no gabinete do então prefeito de Campo Grande, Nelson Trad Filho. O grupo era formado por ativistas e produtores culturais que buscavam há algum tempo que o poder municipal reservasse 1% do orçamento para cultura.
A expectativa era muito grande porque ninguém pensava em outro motivo para a convocação daquela reunião, se não fosse para conceder o 1%. Até a célebre professora e escritora Maria da Glória Sá Rosa, no alto de seus quase 80 anos de vida, compareceu ao encontro, como convidada especial para o possível momento histórico.
Mas toda a empolgação foi freada no decorrer da uma hora de reunião. Logo de início, Nelsinho anunciou que, infelizmente, não conseguiria destinar o 1% do orçamento à cultura, mas tinha uma “surpresa” para toda a classe artística, não só de Campo Grande, mas de Mato Grosso do Sul.
Ouvia-se publicamente, pela primeira vez na história, da boca prefeito, o nome do “Centro de Belas Artes” de Campo Grande, que seria instalado no prédio abandonado da obra da antiga rodoviária, no bairro Cabreúva, na Capital.
A ideia era montar complexo cultural de 11.500 metros quadrados destinado à prática de dança, teatro, artes plásticas, entre várias outras manifestações culturais, além de um alojamento para 100 pessoas utilizado por artistas de fora. O projeto estava orçado inicialmente em R$ 40 milhões e seria financiado metade pelo município e a outra metade pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento)
Aquelas 30 pessoas, mais um grupo pequeno de servidores, foram as primeiras testemunhas do surgimento dessa obra que é quase uma lenda urbana em Campo Grande, o Centro de Belas Artes.
A primeira reportagem escrita sobre o projeto foi de um dos integrantes da comitiva, o jornalista Rodrigo Teixeira, que também é músico e escrevia para o caderno “Arte e Lazer” do jornal O Estado de Mato Grosso do Sul.
“Todo mundo ali ficou muito contrariado na hora. Não entendemos nada, a expectativa era outra, era da concessão do 1% para cultura, que encampávamos na época, foi uma total surpresa”, lembra Rodrigo.
Rodrigo diz que nem era a intenção fazer a reportagem, mas como teve acesso às fotos do projeto e às informações, foi o primeiro jornalista a escrever sobre o famigerado e inacabado Centro de Belas Artes. “Não conseguimos nem o 1% e, como todos sabem, nem o fim da obra”.
Assim como Rodrigo, não tem jornalista nesse Campo Grande que não tenha feito matéria sobre a novela que é o destino dessa obra. Aqui mesmo no Campo Grande News, desde novembro de 2009, quando temos arquivo, foram 187 reportagens falando diretamente do Centro, e nos mais variados aspectos; desde a perspectiva econômica, orçamentária, dos vários trâmites licitatórios, passando pela segurança pública, até a comportamental.
Outras cerca de 60 matérias citaram o Centro de Belas Artes lateralmente, como referência coadjuvante de outro assunto. Mais de 25 jornalistas diferentes escreveram essas matérias. Entrei para esse time agora, mas antes, em outro veículo, já havia feito reportagem sobre. Estou falando, não escapa um!
De 2007 pra cá, segundo a atual administração, já foram gastos R$ 10 milhões na obra. A esperança, mais uma vez, é que os R$ 4,5 milhões reservados para concluir os 20% restantes do prédio, sejam suficientes para terminar o que ninguém conseguiu até agora. “O prazo estipulado pelo Ministério Público Estadual no Termo de Ajustamento de Conduta que fizemos é até julho desse ano”, diz Rudi Fiorese, sercretrário de obras.
Porém, a lenda a qual me referi anteriormente nasce bem antes de 2007. Idealizado pelo ilustre urbanista Rubens Gil de Camilo na década de 90, o prédio seria a rodoviária de Campo Grande. A obra, responsabilidade do Estado, começou no governo de Pedro Pedrossian, mas parou na gestão seguinte, de Wilson Barbosa Martins.
Pedrossian chegou a fazer uma “inauguração” antes de passar o bastão no governo. A professora de história Yanara Campo Nobre, lembra que, aos 7 anos de idade, foi levada pelo avô pra ver a tal inauguração.
“Lembro do meu avô me levando. A minha vida toda morei no Cabreúva. Antes ali tinha uma chácara, lembro que ia com a minha vó comprar leite, não entendia muito bem o porquê da chácara deixar de existir, aí veio a construção com a promessa da nova rodoviária”, recorda Yanara, hoje com 34 anos, e que ainda não viu a rodoviária inaugurada funcionar, muito menos o Centro de Belas Artes.
Ainda muito contrário a destinação de tal montante de recursos para uma obra que não sabe-se o futuro, Rodrigo Teixeira, a “primeira testemunha”, faz quase que um último apelo diante da inevitável continuidade dos trabalhos, que ao menos a professora Maria da Glória Sá Rosa, seja homenageada, emprestando seu nome e junto sua valiosa trajetória, ao local.
“Belas artes é coisa do rococó, obsoleto, temos é que dar valor à Glorinha, que sempre lutou pela cultura desse estado e que estava naquela reunião onde selou-se o interminável destino dessa obra”.
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