Há 336 dias, Santa Casa vê o sorriso de Edna a Luiz, única comunicação do casal
O número 417 é para seu Luiz Carlos mais do que a indicação do quarto. Virou referência de lar depois que a Santa Casa passou a ser endereço fixo. Há 336 dias ele entrou por aquela porta, vindo de Aquidauana, com a esposa Edna. Juntos, eles viram passar no calendário o aniversário, de casamento, o dela, o dele, Páscoa, Natal e o ano virar.
Depois do último AVC e um histórico de saúde complicado há 20 anos, Luiz Carlos entende a esposa pelo sorriso ou pelo choro. É a única forma de comunicação entre os dois. "Ela respira pela traqueostomia, quando é um 'sim', ela sorri, quando 'não', faz cara de choro", explica Luiz Carlos Barbosa, de 61 anos. Marido, pai de três filhos, caminhoneiro e corintiano.
Três camisas, duas dela do time do coração, é o que compõem o guarda-roupa dele, ao lado de duas bermudas e chinelos. Vai fazer um ano que a vida é assim, de acompanhante da esposa, de dormir na poltrona, de morar no quarto 417.
Os dois têm 61 anos e reconhecem um 'sim' ou um 'não' só de olhar pelo tempo de convivência. Eles tinham entre 10 e 11 anos quando Edna ia com o pai pescar às margens do Rio Miranda e se recusou a dançar com Luiz na matinê de domingo. "Por isso que é uma história boa...", ri Luiz ao contar da trajetória de amor do casal. Depois disso teve escola, trabalho num posto de gasolina juntos, o casamento, até a tatuagem escrita "Edna" e um coração, como presente de 40 anos de casados dele para ela.
Ao longo da vida juntos, Edna aprendeu a ser caminhoneira. Viajou com o marido até antes dos filhos chegarem. Depois só o aguardava entrar na cidade, vindo da estrada, para por cerveja para gelar e carne na churrasqueira. "Vinte anos atrás ela teve um aneurisma viajando comigo, tinha pressão alta já", lembra Luiz. Eles estavam em Três Lagoas, onde foi socorrida e transferida para a Santa Casa de Campo Grande, pela primeira vez.
Os dois anos seguintes foram de sequelas, até que "por Deus", como atribui o marido, Edna se curou e ainda cuidou durante quase uma década da mãe com mal de Alzheimer. No ano passado, ao comemorarem 40 anos juntos, ele resolveu provar o amor na pele.
"Era o nome dela, da minha mãe, do meu pai e do meu neto, mas ia ficar muito grande. Fiz só o dela para provar que dela eu gosto. Eu vejo muita gente botar nome e depois ter que borrar. O dela eu jamais faria isso, porque ela jamais me abandonaria e eu jamais abandonaria ela, nunca, por nada nesse mundo".
A declaração de amor traz um pouco de remorso, de quem admite que pelas estradas da vida nunca foi santo. "Judiei um pouco dela sim, eu era muito namorador. Mas ela é tão maravilhosa".
No início do ano passado, o problema começou com infecções no rim, tireoide e pressão alta, Luiz Carlos estava no meio da reforma da casa em Aquidauana quando ela passou mal. "O coração parou, correram com ela para o hospital, faltou oxigênio. Chegamos aqui dia 22 de fevereiro, às 11h da noite..." capítulo que não terminou até hoje, quase um ano depois.
Luiz Carlos entrou na Justiça contra o Estado para conseguir os equipamentos necessários para poder levar a esposa para casa. O processo já sofreu alteração desde que ela deixou para trás limitações maiores e agora a única coisa que precisaria era a instalação de oxigênio em casa e a transferência para o Hospital de Aquidauana, recusada até então.
Ela precisaria ir primeiro para o hospital do município, para que a equipe de lá acompanhe o quadro e as adaptações necessárias na casa. "Eles prometeram, mas não levam. Não querem receber ela lá, não sei porque", questiona o marido.
A casa dos dois é descrita a nós como quem explica como é o melhor lugar do mundo. "Tem 23 tipos de fruta lá, é uma casa maravilhosa, tem varanda, cozinha para fora, grande. Três quartos". A residência de lá ficou só na escritura, já que no sentido literal, é no quarto andar da Santa Casa onde Luiz e Edna dormem e acordam. Ela na cama hospitalar, ele na poltrona ao lado. "Faltar não falta nada aqui, é igual panela de mãe, está sempre cheia", brinca com o hospital.
Sobre a tatuagem, a mesma que fica evidente quando Luiz penteia os cabelos da mulher, ele diz que Edna adorou.
"Desenhei o nome dela também no meu caminhão e uma frase: Edna, na lembrança do teu sorriso eu viajo feliz. O que é o sorriso dela para mim? Ele paga tudo, todo o meu sacrifício. Eu jamais deixaria, ela é tudo para mim. Eu sei que ela vai morrer, mas eu só queria que ela ficasse, pelo menos numa cadeira de rodas, para eu ligar o rádio para ela, ela adora música. E eu ficaria grudado nela até o dia que ela tivesse vida".