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Comportamento

Letícia Sabatella diz que aprendeu "a se respeitar" ao descobrir autismo

Durante sua visita a Campo Grande, atriz revela como foi ser diagnosticada com TEA aos 52 anos

Por Mylena Fraiha | 07/09/2024 07:20
No camarim do Teatro Prosa, a atriz Letícia Sabatella compartilha detalhes sobre seu diagnóstico de TEA (Foto: Juliano Almeida)
No camarim do Teatro Prosa, a atriz Letícia Sabatella compartilha detalhes sobre seu diagnóstico de TEA (Foto: Juliano Almeida)

Pensar em um mundo acolhedor para todas formas de existir é um dos pontos defendidos pela a atriz e cantora Letícia Sabatella, de 53 anos, que esteve na quinta-feira (5) em Campo Grande para participar do evento “Diálogos Pedagógicos: Construindo Futuros, Conexões e Oportunidades”, promovido pelo Sesc MS.

No ano passado, Letícia foi diagnosticada com o nível 1 do TEA (Transtorno do Espectro Autista). Desde então, ela tem refletido sobre a necessidade de uma sociedade que acolha todas as formas de pensar e existir, tanto para pessoas neurotípicas quanto para aquelas consideradas "normais".

Inclusive, o conceito de "normal" é um dos que Letícia tem buscado ampliar em seu processo de autocompreensão. “Essa normalidade também é um problema, se pararmos para pensar. Sempre há uma angústia em querer estar cada vez mais alinhado ao que enxergamos como normal”, defende a atriz em entrevista exclusiva ao Lado B.

Sentada no camarim do Teatro Prosa, a atriz mineira, conhecida por suas participações em grandes novelas da Rede Globo como Torre de Babel (1998), O Clone (2001) e Liberdade, Liberdade (2016), compartilhou com a reportagem o processo de se descobrir como uma pessoa dentro do espectro autista.

A atriz revelou que o interesse em buscar um diagnóstico definitivo surgiu após a identificação do transtorno em sua filha Clara Lopes, de 31 anos, que também recebeu o diagnóstico na fase adulta. “Eu não conseguia me identificar, assim como não conseguia identificar a Clara no início dentro do espectro autista. Mais tarde, eu também não percebia as dificuldades da mesma forma que via na Clara. A gente não se vê como vê o outro".

Após realizar uma série de testes, por recomendação de sua médica e amiga, a neurologista Silvia Laurentino, a atriz mineira comentou que começou a entender alguns dos comportamentos que apresentava desde a juventude. "Durante a avaliação, as perguntas que ela fazia iam me revelando coisas que eu não conseguia enxergar antes. Temos uma visão muito normalizada das nossas dificuldades e das situações que enfrentamos".

Um dos exemplos que ela relembrou foi uma entrevista para um papel importante em uma novela das 8, da Rede Globo. “Fui chamada para participar da novela, mas recusei ir em uma reunião porque tinha um compromisso. Quando me disseram: 'Você tem que vir amanhã!', eu respondi: 'Não posso, tenho que almoçar com a minha avó.' Falava isso sério, sem entender por que as pessoas riam ou achavam isso extraordinário".

Segundo ela, essa característica sempre foi vista como uma peculiaridade, algo “simpático ou esquisitinho”. Com o tempo, e à luz do diagnóstico, ela relata que começou a perceber que essa simplicidade — de não ver conflito entre prioridades pessoais e profissionais — era algo que fazia parte dela.

Letícia revelou que o interesse em buscar um diagnóstico definitivo surgiu após a identificação do transtorno em sua filha Clara Lopes (Foto: Juliano Almeida)
Letícia revelou que o interesse em buscar um diagnóstico definitivo surgiu após a identificação do transtorno em sua filha Clara Lopes (Foto: Juliano Almeida)

Para mim, era completamente normal colocar o almoço com a minha avó ou o ensaio da minha banda como uma prioridade, até mais importante do que ir a uma reunião na Globo para negociar uma das protagonistas da novela das 8”, compartilha Letícia.

A atriz também já revelou em outras ocasiões que também tem uma hipersensibilidade sensorial, principalmente auditiva. “Um psiquiatra me disse algo interessante: uma pessoa dentro do espectro pode ter uma sensibilidade muito grande — como em termos de sensorialidade auditiva e tátil. Essa pessoa vai tentar estabelecer limites de acordo com o que o ambiente pode oferecer de favorável ou desfavorável”.

Agora ciente de sua condição, Letícia relata que se sente mais leve, consegue se entender melhor e busca respeitar mais o outro. "Hoje respeito muito mais quem eu sou, e isso me ajuda a compreender o ser humano, com suas limitações, idiossincrasias e complexidades. Acho enriquecedor quando expandimos as fronteiras da normalidade e entendemos que existem várias formas de ser considerado 'normal'', desabafa a atriz.

Por que falar sobre autismo? - O TEA é um distúrbio caracterizado pela alteração das funções do neurodesenvolvimento, que podem englobar alterações qualitativas e quantitativas da comunicação, seja na linguagem verbal ou não verbal, na interação social e do comportamento, como: ações repetitivas, hiperfoco para objetos específicos e restrição de interesses.

Dentro do espectro são identificados graus que podem ser leves e com total independência, apresentando discretas dificuldades de adaptação, até níveis de total dependência para atividades cotidianas ao longo de toda a vida.

A suspeita inicial do Transtorno do Espectro Autista é feita normalmente ainda na infância, por meio da APS (Atenção Primária à Saúde), durante as consultas para o acompanhamento do desenvolvimento infantil.

Na visão de Letícia, o TEA é tratado de maneira mais séria e com menos preconceito do que no passado (Foto: Juliano Almeida)
Na visão de Letícia, o TEA é tratado de maneira mais séria e com menos preconceito do que no passado (Foto: Juliano Almeida)

Entretanto, o diagnóstico tardio pode ocorrer, especialmente para mulheres, assim como foi para a Letícia. “A gente vai percebendo que há várias manifestações dentro do espectro autista. Isso vai ampliando a compreensão sobre o assunto entre as pessoas. Mas existe muito desconhecimento ainda, com certeza", aponta a atriz.

A atriz compartilha que teve mais facilidade de encarar o diagnóstico após ver como sua filha Clara lidou com o assunto. “Ela disse para mim que sempre soube que era diferente, e isso nunca foi um problema para ela. Quando recebi meu diagnóstico, um ano depois, já estava mais preparada e encarei com tranquilidade.

A arte, especialmente o teatro, também foi fundamental para essa autoaceitação. “O teatro, que é a minha profissão, ajuda muito a desconstruir idealizações e a nos ver de maneira mais realista. Na minha carreira, encontrei um caminho humanizador".

Na visão da atriz, o TEA é tratado de maneira mais séria e com menos preconceito do que no passado, mas ainda há muito a ser feito para promover a inclusão das pessoas neurotípicas. "O mundo está doente se não conseguirmos compreender e respeitar as pessoas com neurodivergências. Sem isso, não conseguimos sobreviver enquanto sociedade humana", afirma.

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