Mais um ano como vidraça e sem paciência para quem gosta de ser pedra
Se 2015 ensinou algo à nossa equipe é que muito melhor do que ver tudo de cima do muro é tomar partido. Definitivamente, escolhemos ser vidraça, independente do risco das pedras. Difícil foi encontrar parceiros nessa jornada.
Depois de polêmica sobre repressão a amasso gay em uma casa noturna da cidade, por exemplo, tentamos com afinco encontrar um casal que fosse para a rua testar o respeito à diversidade. Por dias buscamos gays ou lésbicas que dessem a cara a tapa e mostrassem afeto em público. Só depois de muita persistência encontramos Igor e Theodoro.
Em outro dia, em uma roda de conversa sobre fidelidade, surgiram defesas sobre as relações abertas, sobre o direito de amar sem amarras. Uma boa pauta, mas sem qualquer pessoa que assumisse publicamente a defesa de uma casamento assumidamente aberto. Por isso, a matéria não vingou.
Depois de algumas frustrações a pergunta que fica é: Debates não são feitos porque Campo Grande não evolui ou Campo Grande não evoluiu porque ninguém está disposto a fazer determinados debates?
A verdade é que nem dá para condenar os que preferem assumir posições só em mesa de bar. Quando a cara é estampada no jornal, não há Cristo que suporte a enxurrada de preconceito. Nem nós aguentamos tanta gente escrevendo besteiras.
Do lado de dentro da janela, fazemos o exercício da tolerância.
O bom é que avistamos lentamente comportamentos e todas as formas de amor, sem a velocidade brutal do arremesso que muita vezes surge na direção de personagens exibidos aqui no canal.
Na série "Saindo do Armário", pessoas corajosas falaram de sexualidade sem pudores e receberam declarações violentas nas redes sociais.
Muitas vezes vítimas de crimes de natural indignação viraram alvos, como caso da coroinha que engravidou do padre e acabou apedrejada virtualmente na página do Campo Grande News. “Abuso coisa nenhuma! A mulherada é safada mesmo!”, foi só o começo da esculhambação.
E a artilharia surgiu pesada, de todos os lados, de pessoas ditas religiosas, até de quem deveria cumprir a lei.
Depois de uma entrevista ao Lado B, o grupo de rap Locoeste recebeu a visita da polícia, pelo fato de cantar o que muito garoto da periferia vê com certa regularidade: a truculência policial. O grupo do bairro Tiradentes foi obrigado a retirar clipe do Youtube, que só voltou ao ar semanas depois.
A prova de que eles tinham razão surgiu no mesmo mês, em ação de delegacias especializadas na porta do Shopping Campo Grande, para garantir o conforto de quem compra no local.
Centenas de garotos que passavam, sem nenhum critério ou ameaça aparente, foram submetidos ao constrangimento da revista em "praça pública", a maioria, meninos e meninas que chegavam de ônibus, para aproveitar um dos poucos espaços públicos que a cidade oferece.
Nas redes sociais e grupos de Whatsapp, perdemos de lavada. Policiais exaltados só não chamaram jornalista de "bonito". Consideraram ofensa reportagens sobre o uso da força policial em beneficio de um grupo de comerciantes.
E os leitores acompanharam a gritaria. Apoiaram a ignorância da generalização, a ordem do "bandido bom é bandido morto", do "isso não é coisa de Deus"...
Apesar dos pesares, nosso conselho para 2016 é: Tenha a transparência do vidro, não a brutalidade da pedra. Não há como se arrepender. Para a gente, vale muito a pena.
As reações diante da nossa defesa do amor sem padrões por vezes são ferozes. Mas também há reconhecimento, como o prêmio conquistado este ano pela repórter Paula Maciulevícius com a matéria "Cinco dias depois de achado o corpo, quem vai chorar no velório da travesti?", concedido pela Rede Apolo.
Enquanto muitos continuam com a ladainha questionando "Isso lá é matéria?", insistimos em falar dos anônimos. E mudamos a vida de muito deles. Outro prêmio de 2015 foi parar no bairro Buriti. Por conta de reportagem publicada aqui, a lanchonete Delícias da Tia recebeu o Prêmio Lado B Mérito Lojista, a principal homenagem do varejo em Mato Grosso do Sul e um super agrado ao batizar a conquista com o nome do canal.
Já são 4 anos de textos despidos de qualquer preconceito, muitos apoiadores, alguns críticos coerentes, leitores amáveis, colaboradores aplicados. Por isso, apesar das pedras, não há nenhuma vidraça trincada por aqui.