Na corrida contra o álcool, João viu morrer todos os “amigos de buteco”
João celebra, neste mês, 30 anos sem colocar álcool na boca, mas narra como a luta é árdua contra o vício
João Batista da Costa, de 61 anos, fecha os olhos e conta com riqueza de detalhes o dia que amanheceu no bar e tomou seu último copo de cerveja na vida. Era dia 17 de fevereiro de 1992, fim da Semana da Arte Moderna, quando ele saiu de casa na região do Jardim Seminário, por volta das 9h30 da manhã e parou em um bar.
No dia anterior, ele já tinha avisado aos amigos que iria parar de beber. Muitos deram risada naquele fim de semana, mas João pouco se importou. “Era para eu ter parado no domingo, mas na segunda, eu realizei uma verdadeira despedida”, começa.
Sentado no bar logo pela manhã, ele serviu o último copo de cerveja e ficou o olhando por cerca de 20 minutos. “Demorei a beber, porque pensei muito no que eu queria para minha vida dali pra frente.”
Quando a cerveja desceu, João sabia que não seria um caminho fácil, mas tinha certeza que era possível ser mais feliz sem o vício que tirava dele a saúde e todo o dinheiro que recebia no emprego.
João tinha 31 anos quando tomou essa decisão, mas bebeu todos os dias durante sete anos. “Eu não bebia até os 23 anos. Morava no interior de São Paulo e quando ia para o clube com os amigos, era aquela zombação. Eles diziam que eu era mulherzinha da turma, o único que não bebia nada.”
O vício começou com uma cervejinha entre os amigos de vez em quando até a bebedeira virar rotina. “Gastava todo meu salário e ainda era do tipo que pagava para os amigos”, recorda.
Neste mês, ele fez questão de celebrar e levar a público, nas redes sociais, a felicidade em abandonar o álcool e cigarro nos últimos 30 anos.
Ele lembra entristecido que os amigos de “buteco morreram de cirrose, infarto, AVC, acidente de carro, moto e atropelamento”, mas enfatiza o quanto sua vida foi transformada desde que pisou pela primeira vez no AA (Alcoólicos Anônimos).
“Quando se fala em AA, as pessoas só pensam em pobres bêbados. Mas o vício não escolhe conta bancária. Minha maior surpresa quando cheguei ao AA pela primeira vez foi encontrar engenheiros, advogados, médicos e pessoas com poder aquisitivo vivendo a mesma realidade que a minha.”
Desde então, João não bebeu mais. Mas essa caminhada não foi fácil. João precisou ter clara a vontade de seguir em frente. “O primeiro passo é querer, quando você não toma esse passo, não há família ou qualquer pessoa que te ajude a largar. O primeiro passo é nosso, o de querer largar.”
Depois disso, conhecer os AA e se deparar com diferentes situações atreladas ao vício fizeram João entender que era necessário mudar a rotina. Dentre as mudanças, estava a distância dos “amigos de buteco”.
“Quando eu parei de beber, vi também que não tinha mais nenhum amigo. Tive que descobrir um novo círculo de amizade. Troquei o vício pelo AA e a igreja. Daquela turma do álcool, não tenho mais ninguém. O tempo e a bebida destruíram todos eles”, lamenta.
Foi assim que ano depois, ele conheceu a esposa e começou uma vida ao lado do grande amor. Tornou-se um dos salgadeiros mais conhecidos da cidade pelo pastel saboroso e pela disposição em madrugar nas ruas vendendo.
Inclusive, já contamos a história de João no Lado B, quando leitores sugeriram como pauta o sucesso de seu pastel, que diariamente é vendido na Avenida Ceará pela manhã e à tarde no Terminal General Osório.
Mas quem o vê sorridente, nem imagina que na corrida da vida, ele encara também o “só por hoje”, frase muito usada dentro dos Alcoólicos Anônimos.
Já levei muito freguês meu para os AA, gente que não sabia como procurar ajuda. E o mais importante do AA é que não importa onde você esteja ou quem você seja, se procurá-lo, será recebido e acolhido”.
Por isso, atualmente, João não tem vergonha de falar do passado. “Quebro somente o meu anonimato para ajudar outras pessoas e mostrar que tem uma saída.”
Além do AA, da igreja e da família, João também se orgulha das medalhas conquistadas nos últimos seis anos desde que começou a correr.
Ele até corria quando garoto em São Paulo, mas parou por conta do trabalho. Nos últimos anos, uma turma da academia insistiu para ele participar de uma corrida. “Eu achei que não daria conta, mas no primeiro treino, eu me saí melhor que muito jovem.”
Desde então, ele não parou de correr. Coleciona medalhas de treino e de pódio. “Pratico na minha vida duas corridas, a esportiva e a contra o vício. Duas corridas que tenho muito orgulho e transformaram minha vida.”
Ainda vendendo salgados, ele encara a venda até nos domingos para realizar o sonho de ver os filhos formados. “Minha maior alegria é saber que meus filhos nunca me viram colocar um álcool na boca e saber que eles não possuem esse vício. Agora, quero vê-los formados e seguirem a vida cada um feliz”, finaliza.
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