Na pior fase da vida, Cleide encontrou a cura para a depressão atrás do volante
Já na maior idade, depois de enterrar sua mãe e se separar, foi no Uber que a empresária retomou sua vida
Quando tudo parece caminhar para o fundo do poço são poucas as pessoas que conseguem enxergar uma solução para os problemas. E foi exatamente no pior momento da vida, que a jornalista por formação e empresária, Cleide Dias, de 64 anos, encontrou uma terapia bem improvável que a curou da depressão: ser motorista de aplicativo de mobilidade urbana.
Parece bobagem, mas para Cleide trabalhar com o Uber foi o que a salvou, até mesmo dos pensamentos suicidas que a rondavam. Há dois anos, ela viveu o que diz ser o "fundo do poço", quando sepultou a mãe, terminou um casamento de mais de 20 anos por conta de traição e perdeu todos os bens que tinha.
"Não tivemos filho, eu e meu ex-marido, então minha mãe era a única pessoa que eu tinha. Quando ela faleceu foi muito difícil. Então o grande problema foi viver tudo isso ao mesmo tempo. Eu acordei e não tinha dinheiro nem para comprar um pão'', diz, emocionada.
A depressão veio como resposta aos problemas. Numa idade que já é difícil por si só, o desemprego também a assustava.''Minha vida era boa até essa avalanche chegar. Foi difícil, não tinha vontade de fazer nada e cheguei a querer tirar minha vida, não via motivos para continuar aqui''.
Mas uma luz surgiu quando descobriu que a Uber viria para Campo Grande. Cleide notou que talvez seria a possibilidade de voltar a trabalhar. ''Pesquisei a fundo o que era o aplicativo. Não sabia mexer com GPS, muito menos com aplicativos, e foi meu sobrinho quem me deu aulas, rodou comigo me ensinando'', lembra ela, que hoje está expert com tecnologias.
Ela se cadastrou no aplicativo mas foi reprovada pelo Detran no exame de visão. Ficou cerca de um mês para conseguir fazer um óculos e retomar o processo de atualizar a carteira de motorista, mas não desisitiu. Também trocou os medicamentos pelo time de motoristas de aplicativo. ''Afinal, os remédios não me permitiam que eu me concentrasse em nada, muito menos que ficasse atenta. Tinha sono o tempo todo, não seria prudente continuar tomando''.
Orientada pelo psiquiatra, Cleide deixou os remédios de stand by caso voltasse a sentir qualquer sintoma da depressão. Desde então, há dois anos, ela nunca mais precisou tomar nenhuma pílula - ''estão até vencidas''.
O aplicativo a ajudou a, antes de tudo, voltar a sair pela cidade, a passear, mesmo que a trabalho. ''Eu enfrentei a solidão e a depressão já que não tenho parentes em Campo Grande. Não tem essa de ir almoçar com a família no domingo, então eu ligo o aplicativo e vou trabalhar, sabe?''.
Com cerca de 10 mil viagens completadas, Cleide conseguiu abrir os olhos para o problema dos outros, descobriu histórias de vida e momentos mais difíceis vividos pelos passageiros que carrega. ''Não diminuo meu problema, realmente não acho que foi fácil, mas tem tanta gente por aí passando por situações difíceis, que é como se você se libertasse de se achar a única pessoa injustiçada''.
Os amigos que surgem por meio dos grupos dentro do app também renovam os ares, especialmente para ela, que teve pouquíssimos amigos em Campo Grande.
Além de ser terapia, virar motorista também dá dinheiro - inclusive toda a renda dela vem de lá. ''Trabalho cerca de 8 horas diárias, e dou intervalos, porque a cidade é complicada, o trânsito, os buracos, acaba se tornando estressante. Mas de resto, é tudo de bom''.