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Comportamento

No Dia das Mães a culpa pode ser uma desculpa para vender redenção

Polêmica envolvendo marca de perfumaria que usou a famosa 'culpa materna' como tema tomou conta das redes

Jéssica Benitez | 21/04/2022 08:00
Mas, afinal, a culpa é de quem? (Foto: Cleber Gellio)
Mas, afinal, a culpa é de quem? (Foto: Cleber Gellio)

Polêmica envolvendo uma grande marca de perfumaria que usou a famosa 'culpa materna' como tema central de campanha para o Dia das Mães tomou conta das redes sociais esta semana.

De um lado, mulheres que se identificaram com a peça que aponta o uso de chupeta, mamadeira e telas como causadores de culpa à maternidade, mas que, no fim, colocam os filhos as desculpando por supostos erros.

Do outro, mulheres que defendem que informação não é julgamento, portanto não  são as mães culpadas pelo uso dos apetrechos e sim a grande indústria que, nas entrelinhas, influencia a normalização de coisas que estão cientificamente comprovadas que fazem mal à saúde das crianças. Mas, afinal, a culpa é de quem?

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Antes de continuar quero dizer que aqui vos escreve uma mãe que teve dois partos normais, amamentou um bebê até os 11 meses, amamenta outro há 7 meses e, mesmo com toda informação do mundo, caiu na cilada da chupeta por duas vezes.

Continuando... a culpa, cara leitora, certamente não é de mãe alguma! É isso mesmo que você está lendo, a culpa não é da mãe seja qual foi a opção de parto, amamentação ou oferta de chupeta, telas, açúcar e tudo que é maléfico à saúde de seus filhos.

A culpa é da sobrecarga absurda que pesa nas costas da mulher que de tão cansada ignora os avisos nas embalagens das chupetas e mamadeiras alertando sobre o alto risco de desmame precoce ao usá-las, na ilusão de ter o mínimo de descanso. Quem é que nunca cogitou dar fórmula infantil ou bico artificial para ver se o bebê dorme a noite toda? Spoiler: NÃO DORME.

A culpa é da falta de rede de apoio, de amigos, família ou alguém que possa ajudar a mulher que se vê perdida nessa nova roupagem materna e totalmente distante do que ela foi um dia.

A culpa é da romantização que vendem a ela durante a gestação de que o importante é ter um enxoval novinho, lindo, fofinho, com carrinho, berço, roupinhas lavadas a mão com sabão de coco e, portanto, suficientes para ter um maternar tranquilo.

A culpa é da naturalização de que maternidade  é dom, instinto e se você é mulher logicamente sabe ser mãe, basta seguir o fluxo, tudo se encaixa, afinal de contas quem sabe o que é melhor pro filho é a mãe, vide a máxima 'fiz isso, dei aquilo e a criança não morreu'.

A culpa também é dos que detém informação, mas a propagam com tamanha arrogância, se vangloriando de nunca terem caído nas emboscadas do mercado, que acabam por jogar mães feridas no colo ganancioso de quem tem interesse em tirar proveito da causa, como é o caso da indústria do leite, por exemplo.

A culpa é da cultura patriarcal que protege o pai ausente e diz que homens não precisam se comprometer com o bem-estar de seus rebentos, pois isso cabe a quem os pariu, portanto se esquivam das madrugadas ninando, das fraldas sujas, dos banhos caóticos e rotina regrada.

Ilustração da Camile Pasquarelli.
Ilustração da Camile Pasquarelli.

E por último, mas não menos importante, a culpa é do sistema que abraça tudo isso e vende a cereja do bolo: mães culpadas, se perdoem! No sentido de que tudo bem errar, somos todos humanos, até mesmo mães estão sujeitas a isso. Só que esse mesmo sistema é que induz a mulher a tomar caminhos pelos quais ela vai se culpar (erroneamente) lá na frente.

Deitam, rolam e nadam de braçada no tal do 'nasce uma mãe, nasce uma culpa' e vendem a nós a redenção. Aproveitam do estado de fragilidade trazido pelo extremo cansaço para oferecer caminhos curtos  - e que os tornam bilionários - como perdão às mães que, pasmem, têm tudo menos essa culpa no cartório.

Sabe o lance do inventar o problema para vender a solução? Pois é isso. Sendo mais clara: dizem para mães se perdoarem para que continuemos caindo nas armadilhas do mercado que nos tomam dinheiro, saúde mental e muita rivalidade feminina.

Portanto, mães, não de desculpem! Não ergam placas se declarando culpadas quando na verdade a culpa é só uma desculpa de quem quer reduzir sua maternidade ao extenso e raso embate do 'menos mãe'. Libertem-se!

Jéssica Benitez é jornalista, mãe do Caetano e da Maria Cecília e aspirante a escritora no @eeunemqueriasermae

Ilustração da Camile Pasquarelli.
Ilustração da Camile Pasquarelli.

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