Ouvir que avó “deu conta” de muitos filhos não ameniza cansaço materno
O relógio já marcava 18h, horário que costumo chegar à exaustão depois de passar o dia cuidando de dois bebês. Meu celular tocou, era minha mãe. Atendi com ar de desânimo, ela logo percebeu.
- Tá tudo bem?, perguntou. Não me fiz de rogada.
- Tá, mãe, mas estou muito cansada.
A resposta dela? A mesma de sempre.
- É assim mesmo. Sua avó cuidou de oito, minha filha, oito.
Fim de papo. Sempre que demonstro sinais de cansaço sou lembrada de como antigamente as mulheres criavam inúmeros filhos. "E todas deram conta", reforçam. Mas, afinal, queremos viver para dar conta?
Minha avó materna, por exemplo, viveu exatos 80 anos. Pariu oito filhos, ou seja, oito gestações, oito partos, oito puerpérios com o bônus de uma nova criança a tira-colo a cada travessia.
Essa história foi protagonizada pela maioria esmagadora das mães de 50, 60, 70 anos atrás e mesmo costurada dentro de uma realidade tão dura ainda serve como parâmetro para pressionar a maternidade contemporânea. Quantas e quantas vezes você que é mãe recente ouviu: antigamente tínhamos vários filhos, criávamos todos e não reclamávamos.
Não reclamavam por que não havia queixas ou por que não podiam? Criaram filhos ou simplesmente sobreviveram a eles? Quantas mulheres entregaram suas vidas a este looping de gestar/parir/amamentar? Será mesmo que queremos retornar a este molde de maternidade?
Ah, Jéssica, mas minha mãe criou 10 filhos e estão todos vivos. Ok! Que bom que deu certo, mas a que custo para ela? Mulheres que não tiveram tempo de fazer algo por elas mesmas, que se debruçaram no cuidado com as crias e em muitos casos sustentaram casamentos falidos (pensando ser) em prol dos filhos, aceitando caladas situações impostas pelos parceiros. Subtraindo sonhos e planos, abdicando de tudo.
Não culpo a minha mãe por estar inclinada a pensar assim, muito provavelmente ela criou a mim e a minha irmã ouvindo a mesma coisa, porém é hora de aceitar que a maternidade precisa ser vivida e não sobrevivida. Então, não, gente, não normalizem a vida de mulheres que passaram anos a fio entre gestação e pós-parto, nem tentem usá-las para pressionar mães atuais. Não é bonito, não é romântico, não é sinônimo de fortaleza. Não queremos o título de guerreiras porque não estamos em busca de guerra e sim de paz.
A história de sacrifício materno perpetuada ao longo dos anos significa apenas que no passado mães estiveram ainda mais sobrecarregadas, tanto que até os filhos mais velhos cuidavam dos mais novos enquanto a família equilibrava os pratos para tentar ter o mínimo de dignidade.
Por isso, hoje não venho com felicitações de dia das mães às que me leem. A vocês, minhas queridas, quero muito mais que uma data escolhida num calendário comercial. Desejo uma vida inteirinha de felicidade, escolhas e principalmente liberdade!
Jéssica Benitez é jornalista, mãe do Caetano e da Maria Cecília e aspirante a escritora no @eeunemqueriasermae.