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Comportamento

Pesadelo da infância, história de mulher que apavorou Campo Grande vira romance

Paula Maciulevicius | 18/08/2016 06:15
Casa onde morou Célia de Souza, no bairro Amambaí, que ficou conhecida como a "Bruxa da Sapolândia". (Foto: Fernando Antunes)
Casa onde morou Célia de Souza, no bairro Amambaí, que ficou conhecida como a "Bruxa da Sapolândia". (Foto: Fernando Antunes)

Como ninguém nunca soube o fim que levou a "Bruxa da Sapolândia", o menino que cresceu tendo medo dela, resolveu usar a ficção para dar desfecho à história de Célia de Souza. Escritor, André Luiz tem hoje 51 anos e em seu terceiro livro resolveu transformar uma das grandes personagens da cidade em romance. 

"Eu estou partindo do princípio de uma história real, mas romantizada, embora a personagem tenha existido", conta André Luiz Alves. O livro "A Bruxa da Sapolândia" foi um dos projetos selecionados pela Fundação de Cultura do Estado para receber verbas do FIC (Fundo de Investimento à Cultura) este ano. 

Nascido e criado no bairro Amambaí, André conviveu com quem conheceu de perto a história. Além de se lembrar com muito medo dela. Quando criança, era por vezes, repreendido: caso não obedecesse, a Bruxa da Sapolândia iria lhe pegar.

Nas pesquisas, o que há de concreto é o que inclusive o Campo Grande News já disse em reportagem, um processo do Tribunal de Justiça, que correu entre 1969 e 1971.

Apelidada de bruxa, Célia aparece ao lado de cova rasa no quintal de casa.
Apelidada de bruxa, Célia aparece ao lado de cova rasa no quintal de casa.

Os arquivos revelam que a história começa em 11 de janeiro de 1969, na delegacia de polícia do bairro Amambaí, quando José Fernandes, acompanhado do cunhado Bertolino Larson, relata ao delegado uma história que parece ter saído de filmes de terror: quatro crianças foram mortas por espancamento, fome, maus-tratos e rituais de “saravá”. Das vítimas, três foram enterradas nos quintais de duas residências.

A polícia foi a casa de Célia, presa de imediato, junto com o marido João Luiz da Silva, 27 anos, e o próprio Bertolino. No quintal, ela indicou onde estavam enterrados duas crianças, um menino e uma menina: Jesus Aparecido Larson, que morreu em agosto de 1967, e Dirce Silva, falecida em maio de 1967. A retirada dos corpos, sepultados em covas rasas, foi acompanhada pela imprensa, que eternizou em fotos a mulher agachada ao lado de um caixão e fumando cigarro.

A notícia que alarmou os moradores da cidade relatava que Célia era macumbeira e matou as crianças em bárbaros rituais de saravá. À polícia, Célia negou os maus-tratos e disse que as mortes foram por causas naturais. 

A sentença que acabou por absolvê-la, foi publicada em 24 de maio de 1971, onde a Justiça afirma que não há nexo causal entre as lesões e a morte. E a história acaba ali, com o alvará de soltura. 

A casa dela, existe até hoje na Rua Dracena, na Vila Afonso Pena. "Eu defendo até que ela teria que ter sido tombada e está praticamente intacta. No livro eu faço questão de identificá-la bem", exemplifica o escritor. André Luiz nasceu e se criou na vizinhança. 

E foi dentro deste enredo que o autor criou sua história de ficção. "O que sabemos dela? A parte que viveu em Campo Grande, cerca de 10 anos ela morou nessa casa, onde aconteceram bruxarias e feitiçarias. O que eu crio é este universo de antes e depois, de forma romantizada", descreve. 

Por enquanto, livro está apenas em pdf. André quis passar para a ficção fragmentos da história que foi criado ouvindo. (Foto: Fernando Antunes)
Por enquanto, livro está apenas em pdf. André quis passar para a ficção fragmentos da história que foi criado ouvindo. (Foto: Fernando Antunes)

O livro foi feito em seis meses e está pronto desde outubro do ano passado. "Nós crescemos com aquele medo, todo mundo daquela época e eu sempre tive o interesse por essa história. Sou muito influenciado pelo Gabriel García Marquez. O que existe na minha escrita, é o realismo fantástico", explica o autor.

O que ele soube pelos contos populares, era que Célia era uma pessoa pobre e que para sobreviver cuidava de crianças vindas do interior ou que moravam aqui mesmo, para que os pais pudessem trabalhar. Em troca, quando ganhava, eram poucos valores. 

"E ela tinha habilidades, se acreditava pelo menos, alguns asseguram que ela tinha um poder mágico, outros falam que era só uma pobre coitada, mas criou-se todo um universo", fala André. E é dentro deste universo que a narrativa se passará.

O fim de Célia, ninguém nunca soube ao certo. Uns dizem que ela teria voltado para a região onde nasceu, em Rio Negro, outros que morreu à época e até em evangélica já transformaram a Bruxa da Sapolândia. "Tem quem fale que ela construiu um prostíbulo, que virou 'brasiguaia', ou que continua vagando pelas ruas", diz André. 

No livro, o autor descreve como realismo fantástico desde o nascimento de Célia, envolto em mistérios e magias. "Dentro dela eu conto, explico o por que da maldade dela. Coloco também o irmão dela, um personagem muito malvado e a irmã, que são fundamentais", antecipa o escritor. 

Para o "amasiado" de Célia, o final é bem mais leve do que a protagonista. "Criei uma história completamente diferente, a minha intenção é manter viva a lenda, o entorno da história é verdade, mas é não é uma biografia, é um livro de ficção", frisa André.

O final, ele prefere manter como surpresa. A obra está prevista para ser lançada em março. 

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Mesmo que nos detalhes, lugar pode ser sombrio para quem tem imaginação fértil. (Foto: Fernando Antunes)
Mesmo que nos detalhes, lugar pode ser sombrio para quem tem imaginação fértil. (Foto: Fernando Antunes)
Os corpos das crianças foram enterrados abaixo dos pés de bananeira. (Foto: Fernando Antunes)
Os corpos das crianças foram enterrados abaixo dos pés de bananeira. (Foto: Fernando Antunes)
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