Por aqui não tem bicheiro, presidente de escola de samba é trabalhador
Ao contrário da figura dos presidentes de escolas de samba do Rio de Janeiro, em Campo Grande, quem está à frente das agremiações não ostenta colares de ouro e muito menos o título de "bicheiro". No barracão e na avenida, o presidente é um trabalhador que vive para e não da escola, mais se doa do que recebe.
Nos preparativos para o primeiro dia de desfile, Carioca está arrumando os últimos detalhes. Presidente da escola de samba Unidos do Aero Rancho, ele prega uma lona preta em volta do carro alegórico, o pequeno de três. Dos 16 anos de existência da Unidos, Carioca tem 12 como presidente.
Nascido no Rio de Janeiro, é mais campo-grandense do que o apelido sugere. Por estar na cidade desde 1975, fala que as referências todas vêm daqui. "Minha origem foi Campo Grande, meu primeiro voto foi aqui", conta Alberto Vieira de Matos, de 52 anos.
Antes do Aero Rancho, ele morou no Jardim Aeroporto e também no Rouxinóis. "Eu já gostava, sempre gostei de Carnaval. No bairro tinha uma escola, me deram ela e olha no que se transformou?", exibe orgulhoso. Se tudo corresse bem, nos bastidores, Carioca acreditava sair no desfile com 260 pessoas.
Quanto à função fora da escola, ele conta que é assessor parlamentar na Câmara de Vereadores e que durante o período de Carnaval, está de recesso, então pode dar total atenção à escola. "Mas também tem sábado e domingo", completa. "A gente não vive da escola, todas as pessoas trabalham e muitos tiram do bolso, estoura cartão de crédito para por a escola na avenida", conta.
De formação, ele tem Ensino Médio completo e é técnico em infectologia hospitalar. Sobre a brincadeira do título de bicheiro, ele só ri dizendo que na verdade estar ali é uma doação. "A escola é essa integração que você vê. Eu gostaria de fazer um Carnaval mais apresentável para a sociedade, mas a gente sabe que não tem interesse público", lamenta.
A Unidos do Aero Rancho foi a primeira escola na disputa a desfilar, por volta das 22h, dessa segunda-feira (8), na Praça do Papa em Campo Grande. Eram três carros alegóricos e seis alas que cantaram o samba enredo: "Que herói você quer ser?"
Conversar com o presidente da Unidos do São Francisco se torna missão difícil em meio a tantos detalhes. Ale Mahmud Tlaes, de 62 anos, não para 1 minuto. Mas é fácil localizá-lo pelas cores que veste: calça e camisa amarelas. Nascido em Cuiabá, está há 5 décadas em Campo Grande, sempre morando no bairro onde em 1990, resolveu criar a escola de samba.
Filho de libaneses, o nome não nega a origem e nem o jeito de chamar todo mundo de "primo". A profissão está longe do barracão no dia a dia, Ale é mecânico em refrigeração e comerciante. "Eu? Eu vivo do meu comércio. Aqui todo mundo se ajuda, se diverte, é gosto. Você não gosta de Carnaval? No final, você vai levar o que da vida?" adverte.
A Unidos do São Francisco foi a segunda escola a desfilar, por volta das 23h, com o samba enredo "A beleza dos ipês na Capital de Mato Grosso do Sul".
E é na apresentação e no modo de levar a vida, que Gilbertão da comunidade José Abrão, descreve perfeitamente um presidente de escola de samba pequena, daquelas que se bota na avenida na raça. Gilberto Carlos Corrêa Lopes, tem 60 anos e levou para o profissional todas as referências familiares do samba.
É nascido em Campo Grande, criado no bairro José Abrão e primeiro presidente da associação de moradores, para depois ser presidente da Cinderela Tradição, escola de samba criada por ele em 1994. Quase ao mesmo tempo em que se divide com a escola e o bairro, também sobe aos palcos com o grupo de samba de raiz, Mistura de Raça, que neste ano completa 25 anos.
"Eu sou músico. Me dedico para a escola, mas vivo da música. Eu sou da comunidade, humilde e trabalhador, onde você perguntar, vai ouvir: 'Gilbertão da comunidade'", brinca. Gilbertão ostentou um branco e um brilho que, se ele fosse personagem saído das escolas de samba do Rio, seriam jóias e não só o paetê da própria fantasia.
"Eu levo uma vida saudável e ainda fazendo o que eu gosto de fazer. A gente sente é uma emoção muito grande de entrar na avenida depois de trabalhar tanto e eu? Eu fico muito feliz".
A Cinderela Tradição briga para subir para o grupo especial, ela quem encerrou o desfile da Praça do Papa nessa segunda, com a mais que justa homenagem: "Gregório Corrêa (Goinha), Carlos Pulchério Alves (Cardão) e Felipe Duque (Felipão): Quem foi rei, sempre será majestade".
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