Todo dia pai deixa um coração para Grazi, morta por marido possessivo
Pai conta a luta para vencer a dor da saudade, mas que a história triste da morte da filha trouxe um projeto que pode salvar vidas
A porta da casa de 28 metros quadrados se fecha e Stephan, respirando fundo, entra na sala e olha para o retrato da filha. “Oi, Gra”, diz. O cumprimento ainda é todo tomado pela dor e a saudade. Ele é pai de Maria Graziele Elias da Silva, morta há 10 meses pelo marido.
Todos os dias ele também olha os corações que faziam parte da coleção da filha. Eles são das viagens que Stephan fez pelo mundo e trazia de presente para Grazi. Por isso, deixar um coração todos os dias ao lado do sorriso da filha é uma tentativa de dar um abraço.
A morte também levou um dos maiores sonhos de Stephan, levar Grazi para Suíça, sua terra natal. Infelizmente o ciúme do companheiro da filha também nunca a deixou viajar. Hoje, é pelas imagens que o pai deseja que a luz que encanta nas montanhas chegue até a filha, independentemente de onde esteja.
Numa entrevista em que a vela foi acendida para lembrar com “calma e luz” cada momento vivido ao lado de Grazi, o pai conta que ainda se questiona na tentativa de entender em que momento faltou sensibilidade para compreender que a filha ia para um caminho diferente, mas que busca na dor e nos questionamentos uma maneira de alertar as outras potenciais vítimas e fazer com que homens entendam essa gravidade.
“Ainda é um momento dolorido, mas, ao mesmo tempo, faz parte do processo de aprender viver e conviver com essa triste realidade. Aceitar é difícil, mas entender a gravidade do que aconteceu com Grazi e pode acontecer com outras mulheres é importante”, afirma o publicitário Stephan Hoffmann, criador da organização semfins lucrativos Gira Solidário, localizada na região do bairro Pioneiros, que hoje também vai abraçar a luta de mulheres jovens pela vida, para que elas não encontrem com as mãos de um feminicida.
Desde que a filha morreu, Stephan recebeu muitas mensagens e cartas de pais que perderam filhas e filhos para crimes cruéis, muitos deles envolvendo o feminicídio. Foi o que despertou para falar do assunto apesar de toda dor.
Primeiro, Stephan se lembra dos primeiros contatos com a filha ainda pequena, quando ela o escolheu como pai. Era 2011, o publicitário estava com seu projeto na região do Dom Antônio Barbosa, onde a comunidade dependia do lixão. Lá conheceu Grazi, uma menininha sorridente que vivia com uma família grande em situação de vulnerabilidade. O começo da relação de pai filha foi na terceira visita de atendimento.
“Ela correu até mim e disse que eu iria ser seu pai daquele dia em diante. Ela decidiu ser minha filha. Essa força eu sempre senti dela a vida toda”, comenta.
Stephan então construiu uma casa no bairro para morar com Grazi e sua mãe, onde também construiu uma história de amor. Juntos tiveram outro filho, Amadeus, irmão mais novo de Grazi.
A menina sempre foi determinada, nas palavras do pai. “Grazi sempre me contou tudo, tínhamos uma relação de confiança. Era uma menina amorosa com todos, tinha muitos sonhos, um sorriso lindo”.
Mas ele se lembra das primeiras mudanças, quando iniciou a relação com o primeiro namorado, às escondidas, com o homem que a matou após 8 anos. O assassino de Grazi é o técnico em informático Lucas Pergentino Câmara, de 27 anos, que hoje está preso e aguarda julgamento.
Primeiro, Stephan se lembra dele como um homem que tinha ciúmes. “Briguei muito com ele por causa da posse que ele sentia ter sobre ela. Ele queria ser dono dela. Eu expliquei várias vezes que ele não tinha direito de ser dono de ninguém. Temos apenas que dar amor para ser amado”, conta.
A relação durou oito anos com uma trajetória de separações, brigas, ciúmes e até registros de boletins de ocorrências por violência doméstica. Mas nada separava Grazi de Lucas, embora muitas vezes ela quisesse.
“Foi quando eu entendi que ela o conheceu numa fase perigosa, onde quando a menina não tem a confiança total nos pais e não tem a autoestima um pouco mais formada para saber o que ela quer e não quer, ela é muito vulnerável, ela pode ser uma vítima e isso aconteceu com a Grazi”, diz o pai.
Esse entendimento é que moveu Stephan em meio a tristeza, afim de se conformar com a partida e lutar pelas meninas que ainda estão vivas. “É uma coisa tão complexa perder uma filha com 21 anos. A morte pra mim não é uma coisa inesperada, mas nesse caso da Grazi eu nunca esperava".
Stephan diz que sempre foi um pai presente. “Não faltou proximidade, era falta de sensibilidade de entender que aquela relação não iria dar certo. Assim aquela situação distanciou Grazi. Ela começou a não ligar mais, nem a me consultar mais. Foram anos difíceis. Ela o amou, não tenho dúvidas. Mas não compreendeu que a relação não era saudável”.
Com os detalhes dessa trajetória que terminou com a morte, ficou cada vez mais claro para Stephan a necessidade de se envolver em novo projeto para adolescentes na faixa dos 11, 12 e 13 anos, faixa etária que ele acredita que meninos e meninas ainda aceitam uma influencia positiva.
“Minha busca é tentar defender os direitos da jovem mulher e mostrar como podem acontecer casos iguais o da Grazi”, diz.
Para meninos e meninas – Com um projeto chamado Diana, nome em referência a Mulher-Maravilha, Stephan está elaborando um projeto, que tem como objetivo, sensibilizar adolescentes femininas para que elas possam ser mais cautelosas, reconhecer sinais de machismo, já no início de uma relação e ter autoestima e recursos para se proteger melhor e construir relações saudáveis.
Numa segunda fase é previsto um trabalho com adolescentes masculinos e pais, com intuito de também mostrar aos meninos o que é de fato machismo e o porquê eles devem respeitar uma mulher.
“Vamos atuar com a parte educativa, sensibilização e parte de apoio quando alguém já está em emergência. Com isso também exemplos de mulheres que tenham histórias para contar e mostrar que mulher pode ser o que quiser na vida. Acredito que a educação cumpre um papel importante e é preciso olhar para essa dolorosa realidade”, encerra.
Enquanto a pandemia não permite o retorno das atividades dentro da sua instituição, o pai e a família de Grazi clamam por justiça. "Eu não tenho que dizer o que deve acontecer com ele, a justiça vai cumprir esse papel. Mas tudo o que eu mais desejo é histórias como as da minha filha não aconteçam mais. É muito triste perder uma filha tão jovem nessas circunstâncias", acrescenta.
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