Vizinha ajuda idoso a recuperar documentos e acha família “perdida”
Seu Zé recuperou a certidão de nascimento e a história deixada no Nordeste quando ele era jovem
Aos 83 anos, José tem uma história digna de livro, que por um daqueles lances de sorte foi descoberta pela vizinha advogada, que estranhou a forma com que o homem vivia. Morando em uma casa feita de madeira encontrada na rua, na Rua Santa Adélia, região do bairro Cophafama, em Campo Grande, já deve ter visto o barraquinho do seu José Macedo dos Anjos, conhecido como seu ‘Zé’.
Ligian Lapas é advogada e mora na mesma casa há mais de 30 anos. Recentemente ficou curiosa com a forma que o idoso estava vivendo, diz que tentou ajudar e acabou desvendando uma história que ainda não acabou.
“Ele começou a montar a casinha dele de pouquinho em pouquinho, foi bem perto daquela semana que fez frio bem intenso, eu pensei que ele fosse morrer. Chamei a SAS (Serviço de Atendimento Social), mas ele não quis ir (abrigo), deram uma coberta para ele pernoitar. Assim que foram embora ele acendeu um fogo e ali ficou e só pensava: será que amanhã ele vai estar vivo?”, lembra.
O barraquinho em formato de triângulo aguentou frio, chuva e a onda de calor extremo. O tempo passou e, para ser mais exata, quatro meses se passaram até que a advogada conversou pela primeira vez com o vizinho. A partir daí a história começa a ficar legal.
Após ele contar que recebia um benefício do governo e dizer o nome completo, Ligian ficou curiosa para saber mais, então procurou saber do passado do senhor curvado, que morava em frente a sua casa. Vasculhando a vida, ela descobriu que o homem estava sem receber o beneficio do governo desde outubro de 2021, porque estava sem documentos.
Preocupada com essa situação, resolveu ajudar, pois era uma forma de o senhor viver com um pouco mais de dignidade. Quando a advogada conseguiu tirar a segunda via da certidão de nascimento, com a ajuda da Defensoria Pública, ela soube que havia um homem, de 88 anos, que morava na cidade natal de seu Zé com o mesmo nome. Surpresa, ligou no cartório da cidade de Borborema, na Paraíba, para saber mais informações.
Durante uma conversa com a tabeliã do cartório da cidade, a moça contou que outro homem vivia lá, com mesmos nomes de pai e mãe, mas a data de aniversário não batia. “Na hora tínhamos certeza que os dois eram irmãos”, contou a advogada. “No dia seguinte, eu conversei com a filha do idoso que mora na Paraíba e vi uma foto do pai dela, eu tive a certeza que eles eram irmãos, têm a mesma cara”.
A partir daí, os irmãos que não se viam há 63 anos ficaram cientes que, dos 11 irmãos, dois estão vivos.
Seu Zé contou ao Campo Grande News que saiu do Nordeste logo que sua mãe morreu de tuberculose. “Eu tinha apenas 20 anos, menino novo recebi uma proposta de ir trabalhar em fazenda e sair daquela miséria, então não pensei duas vezes. Percorri vários estados, Goiás, São Paulo, Mato Grosso, até chegar em Ponta Porã, aí gostei demais daqui, desse estado, aí só fui mudando de cidade, eu sempre trabalhei", contou.
O idoso, que apesar de ter a coluna torta por trabalhar a vida toda em fazenda, está distribuindo saúde e uma sabedoria que encanta qualquer um que pare cinco minutos para conversar com ele. Seu Zé construiu o barraco em três dias, hoje, sem o benefício federal, sua renda vem do suor do trabalho que é catar material reciclável.
No espaço onde fez sua ‘casa’, ele criou uma mesinha para fazer as refeição e uma engenhoca para guardas os livros da chuva. Apreciador de uma leitura que vai de livros de histórias do Brasil até revistinha de super-herói.
A sobrinha de seu Zé disse que a família está muito feliz com a notícia que ele está vivo, mas que não tem como vir para Mato Grosso do Sul buscar o tio. “Meu pai até comentou: se fosse mais perto, eu ia buscar. Mas tadinho, meu pai tem quase 90 anos, nunca andou de avião, nunca saiu da Paraíba, não temos condições de ir”, contou.
Ligian vai levar o idoso para tirar a segunda via dos documentos pessoais nesta quarta-feira e a partir daí vai pensar em como levar ele até a família. A advogada disse que pretende fazer uma vaquinha ou algo nesse sentido para poder custear as passagens do idoso, apesar de ele dizer que é desnecessário.
"Nunca quis criar raízes, vivi sozinho todos esses anos, sem esposa e sem filhos porque gosto dessa vida solitária”, explicou.
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