Xote partiu, mas deixou rastro nas “Memórias Inventadas” de Manoel de Barros
O menino pantaneiro teve a sorte de ser amigo e inspirar um dos maiores poetas brasileiros
Faz 20 anos que Onesimo Gomes de Mello se despediu dessa vida. Homem pantaneiro e de palavras simples, ele é o avô que desperta saudade e ainda emociona a família. Hoje, no mês que lembra sua partida, o que ficou para o neto mais velho, Oton Nasser, é descobrir que alguns versos de Manoel de Barros também foram inspirados nas conversas com seu avô, conhecido como Seu Xote.
“Memórias Inventadas” é a parte do livro “Meu quintal é maior do que o mundo”, uma antologia publicada em 2015, com diversos poemas feitos por Manoel ao longo da vida e que lembram Xote. “Há poucos meses eu soube disso, numa conversa com a Martha, filha do Manoel, que me disse que nesse livro estão memórias do meu avô”, conta o advogado, de 52 anos.
Xote foi capataz de fazenda, trabalhou desde menino na propriedade São Sebastião, no complexo da Nhecolândia, no Pantanal. Numa dessas idas e vindas as propriedades vizinhas, conheceu Manoel de Barros, um homem que, segundo Xote, “escrevia umas coisas bonitas”, conta Oton.
Nos anos de 1960, Xote veio para Campo Grande morar com os filhos e a esposa, dona Charlot Saab de Mello, que na cidade tornou-se amiga de dona Stella, esposa de Manoel. “Meu avô tinha um Fiat, carro para ele andar com minha avó e que dona Charlot chegou a passear com a dona Stella”.
Da amizade restaram muitas lembranças, sem nada de fotografias. “Assim como Manoel, meu avô era um homem simples, do Pantanal, que nunca combinou com a vida na cidade”.
Xote era um homem que chamava atenção pelos passos, por isso o apelido ao "pé de valsa" dos tempos dos bailes. O neto descreve que a simplicidade fez o avô se tornar um doutor em lições de vida. “Correto, justo, carinhoso, firme, homem de verdade. A palavra bastava para ele”.
Nunca fez poesia em papel, mas interpretava como ninguém os bichos. “Foi isso que chamou atenção o poeta. Meu avô pescava pacu sozinho nos rios, sem traia de pesca, bastava um dedal, silêncio e a massinha”.
Único pio na hora da pesca era o dos pássaros. Em casa, também amava o canto dos canarinhos e ao longo da vida foram muitos pássaros mirradinhos, cuidados por Xote, que depois voaram livremente, das próprias mãos. “Ele cuidava, na gaiolinha, depois soltava”, lembra Oton.
Quanto aos conselhos de pai e avô, Xote fazia sempre referências ao Pantanal. “Ele falava do dia a dia de um animal, que para ser homem, tinha que ser como um touro”.
O prazer dele era tomar a cervejinha, tomava devagar, mas o copo não ficava cheio. Amava a comidinha de mãe, da esposa e da dona Vilma, mãe de Oton. Torcia pelo América e para o Palmeiras. “Sou palmeirense por ele”, diz o neto.
Mas um dia o doutor proibiu de vez Xote de fumar cigarro e ele deu conta de fumar escondido por meses. Não era à toa que chamava carinhosamente dona Charlot de Branquinha, mas também de dona Bronquinha, afinal, ela sabia o amor teimoso que tinha.
Foi então que em 4 de outubro de 1998, um enfisema pulmonar fez parar de vez o coração de Xote, que deixou esposa, dois filhos e seis netos.
O que ficou de quem partiu? Ao ouvir a pergunta o neto se emociona. Com olhos marejados ele segura o livro de Manoel que ainda não terminou de ler, porque cada palavra o faz reviver os melhores instantes de Xote. “O que ficou? A simplicidade. Porque hoje a sociedade é carente de pessoas que falam de coisas simples. Mas ele e seu amigo Manoel de Barros, eram pessoas com visões simples da vida. Hoje, vejo que somos nós que complicamos demais, nos escravizamos e distanciamos das nossas origens”, declara o neto.