Vitorino's, um bar com política, conversa "jogada fora" e história de 57 anos
Já de entrada, na mesa da esquerda, encontro o governador André Puccinelli entre colheradas de caldo de feijão com pururuca, com a "camiseta de domingo", vermelha com o símbolo da Ferrari. É um dos frequentadores assíduos do bar e restaurante do Vitorino's, um português com cara de sério que ao longo de 57 anos mantém as portas abertas do bar português mais tradicional de Campo Grande, apesar de 3 mudanças de endereço.
Vitorino Filho herdou o comércio do pai Vitorino. No prédio simples, na Vila Glória, mas extremamente organizado, os clientes têm mesas cativas no bar da rua Belizário Lima. A turma de Puccinelli tem três, que ficam sempre lotadas aos sábados e domingos.
“Eu consigo vir uma vez por mês. Aqui é gozado. O cenário é sempre igual. Ali fora tem a mesa dos pecuaristas, ali ficam sempre dois velhinhos conversando na mesma mesa, na mesma cadeira e lá adiante é estão os cotoveleiros, sempre em pé, apoiados no balcão”, narra o governador apontando para diferentes cantos do bar.
Apesar de ser o governador, Puccinelli garante que não é importunado dentro do Vitorino's. O que é fácil de entender ao observar a animação entre os grupos que se formam pelo local. “Todo mundo tem sua turma e fica na conversa deles. O único que interrompe é o vendedor de loteria”, sorri.
O companheiro de mesa, ex-vereador Celso Ianase, é quase “sócio” e tem o cardápio na cabeça. “Quarta tem rabada, quinta é dobradinha, sexta é bacalhau e no sábado a feijoada. Venho toda a semana”, comenta.
Na relação de preferências, ele tem dúvidas, mas fala dos pratos tradicionais, regados a bacalhau, além da empadinha, do bolinho do mesmo sabor e sardinha frita.
No canto da direita, encostados no balcão, os “cotoveleiros” abrem a gargalhada várias vezes durante a passagem pelo Vitorino's. O médico Zé Maria contabiliza 28 anos de conversa fiada no bar. “Aqui ninguém perturba e a gente só fala mal de quem não está presente”, brinca.
De cabeça branca, em uma das mesas do centro, o pecuarista João Proença e o amigo aposentado, o ex-comerciante Álvaro dos Santos, tem ainda mais história no bar. Há 33 anos, desde a abertura, eles aparecem para colocar a amizade em dia. “Fica aqui uma horinha, mas já vale. Somos do tempo do pai Vitorino, esse aí ainda era jovenzinho”, diz Álvaro, indicando Vitorino do outro lado do balcão.
Ainda há a mesa dos advogados e desembargadores, outra dos artistas e aos sábado, “dia da muvuca”, mais de 200 pessoas se misturam para comer a tradicional feijoada. “É a mais antiga em atividade aqui em Campo Grande. Desde 69 eu ofereço”, conta Vitorino.
Por 28 reais, a turma se esbalda com a culinária brasileira, feita pelo português nascido na cidade de Olhão, na região do Algarve, em Portugal, porto com 14 mil habitantes. Veio para o Brasil com 4 anos e nunca mais voltou. Aqui formou família e criou as 3 filhas. “Não sou rico, mas consegui formar as 3, uma é veterinária e as duas outras fizeram administração”.
Sobre a tradição preservada por tanto tempo em uma cidade acostumada a ver tantos bares e restaurantes abrirem e fecharem da noite para o dia, Vitorino ensina: “Acho que é porque a comida é boa, o preço é justo e todo mundo é tratado da mesma forma, independente do cargo que ocupe ou da profissão”.